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Brasília, já advertiu JK, só vai recebendo bronca dura para funcionar e entrar nos eixos

José Escarlate

Vida que segue. Em 1957, meu padrasto foi nomeado engenheiro-chefe da Comissão de Construções em Brasília do antigo Instituto dos Bancários, o IAPB. Velho amigo do engenheiro Juca Chaves – José Ferreira de Castro Chaves -, um mineiro que reunia outros amigos nos finais de tarde para um drink festivo – hoje se chama happy hour – no bar de sua propriedade, o Juca’s Bar, no Hotel Ambassador, centro do Rio.

Ali rolava o mais puro scotch, que chamavam néctar dos deuses. Todos, amigos do peito do presidente Juscelino Kubitschek e que apoiavam a construção de Brasília. Era de onde saiam idéias de projetos, ordens e contra-ordens para a construção da capital. Nascia igualmente no ar refrigerado do Juca’s Bar a escolha dos membros que comporiam o escalão principal para ajudar Israel Pinheiro a comandar o grande desafio da construção da nova capital.

No Juca’s Bar foi bolada e sacramentada a vaquinha para a construção do Catetinho, o Palácio de Tábuas, que deu mais conforto a JK nas constantes idas a Brasília.

O economista e historiador mineiro, Ronaldo Costa Couto, comentava que JK orgulhava-se de ser bem brasileiro, apesar das origens: “Um brasileiro puro, sangue azul. Ou melhor, azul, branco, verde e amarelo. Sangue tcheco, cigano, português, talvez até um pouco negro e índio. Mas brasileiro como jabuticaba”.

O presidente JK acompanhava com atenção a construção de Brasília. A cada três dias vinha à cidade para correr obras, reunindo-se com Israel e Niemeyer. Cobrava mais velocidade à equipe de engenheiros, especialmente em relação aos apartamentos que seriam destinados aos funcionários, por ocasião da transferência. Uma das coisas que o preocupava era o ritmo burocrático das obras dos institutos de previdência. Um dia, resolveu dar um aperto geral na turma.

Convocou os presidentes de institutos para uma reunião no Palácio do Catete, no Rio, mostrando sua insatisfação e exigindo um ritmo mais acelerado às obras. E ainda estabeleceu prazos e metas para cada instituto. Nascia nesse momento o ritmo de Brasília.

Além da grande bronca, anunciou a criação de um órgão específico para controlar o desempenho de todos eles. Era a Coordenadoria e Controle das Obras dos Institutos de Previdência Social. Não satisfeito, para pressionar, colocou a comandá-la um oficial da Aeronáutica, coronel Rezende Neves, homem cordato, mas duro.

Na ocasião, mostrando-se bastante contrariado, JK fez duras advertências: todo material destinado a Brasília deveria ser entregue imediatamente, lembrando que as obras da cidade eram prioritárias e que, se algum instituto desviasse recursos destinados à capital, cabeças rolariam, sem dó nem piedade. Só assim a coisa andou.

Preocupado com a bronca presidencial, Dr. Rubens conversou longamente pelo telefone de magneto, que havia lá em casa, com o seu assistente na obra de Brasília, a da SQS 108 Sul, o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lélé, em início de carreira e que havia sido indicado pelo escritório de Oscar Niemeyer.

O canteiro de obras do IAPB, na 108 Sul, era incrementado. Tinha uma bem montada cantina, alojamento para operários, amplo almoxarifado e local bem abrigado para a guarda de cimento, cujo transporte custava os olhos da cara. Apesar das dificuldades naturais de se viver onde antes era puro cerrado, longe do tudo e do nada, no canteiro funcionava, aos finais de semana, um cineminha improvisado para divertir a peãozada e os engenheiros da obra. Ajudava a matar a saudade de casa. A Brasília, daquele tempo, realmente não tinha nada. Ou melhor, tinha: poeira. E muita.

Finais de semana, à noite, a atração eram os filmes, alugados no Rio pelos institutos. E havia rodízio desses filmes entre os canteiros de obras, em busca de novidades. Toda sexta-feira, no vôo da Panair que chegava final da tarde, eram despejados novos filmes, alugados na Mesbla. Os acampamentos faziam um pool de filmes, que era disputadíssimo. Era quando peãozada curtia a distração, nos finais de semana. Isso quando havia folga. O trabalho em Brasília não parava e era duro.

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