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Expectativa e realidade

Brasília tem histórias irreais, como incêndios, que poderiam ser reais

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto Divisão de Arte de Notibras/IA

A falta do que fazer é a pior coisa para quem gosta de ter o que fazer. Raros para pessoas ativas e que têm horror ao passivismo, esses momentos normalmente são utilizados para novas histórias, algumas inverossímeis e outras (as melhores) que gostaríamos de vivenciá-las. A de hoje pode ser irreal, mas poderia ser real. Na verdade, depende da imaginação de cada um. Não conto o que se passa na minha, mas, quem sabe, seja meu sonho de consumo. Algumas das histórias que a gente inventa partem sempre dos pressupostos da expectativa e da realidade. Para o bem de todos, essas só merecem crédito porque interlocutores próximos ou distantes também já tiveram a vontade de vivê-las.

De qualquer maneira, é de bom alvitre escrevê-las somente depois de checar, prechecar e trechecar.

Em um daqueles dias de chuva fina em Brasília, um policial à paisana abordou voluntariamente um motorista que estava preso em um engarrafamento na avenida que passa ao lado do Congresso Nacional. Dois dedos de prosa, e o meganha, sabe-se lá por que, bateu em retirada. Nenhum veículo se movimentou. De repente, um transeunte bate na janela do meu carro. Abri o vidro e perguntei-lhe o que estava acontecendo. Sofregamente, o homem, também motorista, me explicou que terroristas de extrema-direita haviam invadido o Parlamento e feito de reféns todos os 513 deputados e os 81 senadores.

Grave pela repetição das frustradas ações dos fracassados defensores da trilogia “Deus, pátria e família”. Fiquei mais aliviado ao ser informado que os assessores parlamentares e os aspones om menos de dez anos de casa haviam sido poupados. Não sei de onde, alguém gritou que os “democratas” exigiam R$ 10 milhões de resgate por grupos de cada dez parlamentares (um deles teria 14), ou seja, R$ 580 milhões no total. A ordem dos terroristas era clara: sem a grana iriam jogar gasolina em tudo, inclusive nos dois plenários, queimando os recintos com todos dentro. Exatamente como fizeram aqueles outros terroristas nos prédios do Supremo Tribunal Federal, do Palácio do Planalto e do próprio Congresso.

Usando do meu faro jornalístico, apurei que, além dos assessores e dos decanos do asponeamento, também seriam poupados os repórteres que cobrem diariamente o Parlamento. Os meninos e as senhoras da ex-Globo Lixo só seriam liberados após apresentação do crachá. É a tal da vingança guardada no freezer. Entre apavorado e louco para sair daquele bombástico ambiente, indaguei ao meu interlocutor a melhor forma para ajudar nossas briosas e insuspeitas excelências. Afinal, como cristão, sempre torço pela vida, ainda que o outro lado faça de tudo para que eu morra de inanição.

Foi nesse segundo contato que percebi que o senhor de meia idade se apresentava com um semblante tranquilo, de quase regozijo. Só nesse momento é que ele me disse que estava passando de carro em carro coletando doações. Preocupado com nossos zelosos congressistas, perguntei quanto, em média, cada motorista estava doando. Sério, mas com um sorriso maroto no canto da boca, o cidadão me respondeu que por volta de cinco litros. A resposta me deixou atordoado, mas consciente de que o Congresso Nacional e o que tem dentro não valem uma lata d’água. Acho que a prechecagem foi insuficiente para me garantir a verossimilidade do acontecido.

No entanto, eu que vivi para ver bons e velhos amigos “ficando de mal” por defenderem políticos ruins, não acharia nenhum absurdo se o fato fosse verdadeiro. Fábula ou não, diante do que ouço diariamente a respeito dos políticos, o que posso dizer é que a história me remete àqueles eleitores que, em passado bem recente, levados pelo surgimento rasteiro de um mito, optaram por ignorar a realidade. Lamentável é que eles também ignoraram as consequências de ignorar a realidade. O resultado não poderia ser outro. A política é mesmo como uma piada. A diferença é que atualmente nem o eleitor é quem ri por último. É por isso que, no caso do Brasil, o maquiavélico uso da gasolina bem que poderia ser estendido.

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*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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