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Brasiliense sofre no Rio para um dia ser artista

Aquele jovem casal, que morava ali na rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, recebera, há pouco, um parente, vindo de Brasília, que foi tentar a sorte como ator na Cidade Maravilhosa. Tão empenhado estava o rapaz, que até havia se submetido a uma dolorosa cirurgia plástica para reparar um suposto defeito no nariz, desses que a maioria das pessoas nem se dá conta. Todavia, como seres praticamente insignificantes, aquele casal não conseguia entender as razões que levavam uma pessoa a sentir tanta dor por quase nada. Quase nada para nós mortais, mas uma enormidade para o mundo dos artistas.

O marido se levantava cedo, a mulher também, já que ambos trabalhavam em locais praticamente sem graça. Ele era bancário no bairro ao lado; ela, vendedora em uma loja de couro, quase em frente ao apartamento em que moravam. Já o parente não precisava acordar tão cedo, pois o curso de teatro começava apenas à tarde. Além disso, a sua pele de bebê agradecia por aquelas horas a mais no mundo de Morfeu.

Os dias foram passando, a rotina do casal continuava sem qualquer alteração, a não ser por conta de um furo na meia ou mesmo uma mancha de café na camisa pouco antes de sair. Mas nada que uma quase nova não pudesse tomar o lugar da agora suja. Por sua vez, o parente havia evoluído substancialmente, talvez por seu talento, talvez até por conta daquela dolorosa operação. Conseguira um papel de destaque em uma peça de teatro, onde faria parte do famoso bando de Robin Hood.

O casal, muito animado pelo sucesso do parente, resolveu fazer uma pequena comemoração. Compraram pizza e refrigerante, enquanto assistiam a um filme de terror. A mulher e o marido olhavam, quase aterrorizados, as cenas que se passavam, enquanto o parente praticamente não mostrava reação, a não ser pelo comentário de que tinha vontade de atuar em uma produção como aquela. No entanto, quando o monstro do filme decepou a cabeça de uma de suas inúmeras vítimas, a esposa, talvez pela inocência, talvez até por ironia, disse para o parente:

— Eita! Esse aí se deu mal! Vai ser artista!

*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.

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