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Cânticos e sussurros

Briga da igreja com cabaré sobra para os priquitos

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Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo* - Foto de Arquivo/Reprodução Depositphotos

Diz o ditado bíblico que todo o reino dividido contra si mesmo é devastado. É o mesmo que dizer que um reino dividido jamais subsistirá. Pérolas do cotidiano popular ou fatos venéreos da “Mens Sana in Corpore Sano” de alguns brasileiros, a verdade é que no país de Pedro Álvares Cabral Lula da Silva tudo pode acontecer, inclusive uma igreja evangélica funcionar parede e meia com um cabaré do tipo satanás de rabo. Pode, mas um dia o strip-tease de um vai incomodar os chamamentos por Jesus do outro. O pior é quando a casa de facilidades monta shows do tipo exportação, algo como a Broadway nordestina.

Repito que o fato que ora narro entre os dentes para não mostrar o sorrisão é venéreo. Dizem os contadores de causos que a balbúrdia ocorreu lá pros lados de Aquiraz, no Ceará. A cafetina da cidade, também conhecida por empresariar o negócio alheio, estava cada vez mais pujante. Era daquelas que tinha sempre um olho nas meninas e outro nos pastores vizinhos. Prechecava o que podia e o que não podia. Madame Serafina cresceu tanto que decidiu expandir seu negócio, abrindo ainda mais o negócio das moças. O puxadinho que mandou construir em anexo ao cabaré pôs tudo a perder.

Sacripantas da vida, os pastores liderados pelo bispo Hermenegildo, resolveram aumentar os horários dos cultos, de modo a empastelar os sussurros gozatórios com os cânticos bíblicos. O tempo fechou literalmente uma semana antes da inauguração do comentado e festejado puxadinho, quando um raio sapecou e incendiou o antro do pecado. Madame ajuizou uma ação contra a igreja, responsabilizando os pastores e demais fiéis pelo fogaréu do demônio. Conforme Madame, o fogo certamente foi causado pela quantidade de orações contra a purificada, santificada e canonizada Casa da Luz Vermelha.

Em outras palavras, jurou na Justiça que o ocorrido se deu por obra e graça da intervenção divina. É claro que ela não tinha prova alguma do que disse. Coube ao juiz da comarca engavetar a ação por uma justa, óbvia e isenta análise: o incêndio pode ter sido causado pelo poder das orações, mas quem poderia garantir aos jurados que as orações têm esse poder? São coisas que nem mister Freud de ceroulas explica. O caso ainda está em aberto. Talvez nem chegue ao Supremo Tribunal Federal, hoje assoberbado das baixarias patrióticas. Enfim, a honra e a glória de uns foi a desgraça de outros.

Lembrando que as igrejas arrecadam horrores, mas têm pavor de colaborar, o fechamento da casa de uso indiscriminado das partes pudendas quase zerou as finanças do município. O cabaré acabou, mas a igreja continua disputando os negócios que sobraram do negócio de Madame Serafina. Com carros de som ultrapassando os decibéis permitidos pela prefeitura local, bispo Hermenegildo usou um alto falante de cabeça dourada para oferecer gratuitamente às devassas indigentes sessões de descarrego e até cursos de desputamento na capital. A prática da devolução dos negócios alheios à proteção divina virou moda no Nordeste.

Na cidade baiana de Jequié, a proprietária de um prostíbulo à beira da BR-116 resolveu transformar o aconchegante recinto em uma barulhenta igreja evangélica. Cansada de gritar contra os que ultrapassavam o tempo previsto em lei, a dona cafetina se converteu às facilidades e rapidez do dízimo obrigatório. Sem aviso prévio aos frequentadores, ela se limitou a cunhar de próprio punho um cartaz informando aos caminhoneiros, carroceiros, punguistas, rufiões e umbandistas que “Onde abundou o pecado, agora superabunda a graça”. Sem a abundância das casas fechadas de saliência, o Brasil ainda será um templo saliente de bençãos a céu aberto. A moral da história é simples: na briga entre a igreja e os cabarés, quem acaba no pau são os priquitos.

*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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