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Sumindo na poeira

Briga por político alimenta ego de quem divide o povo

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Mathuzalém Júnior - Foto Antônio Cruz/ABr

Tantas ele fez que o fim não pode ser outro. Se for, mudo meu nome para Cesarina, a czarina dos hebreus, ou para José de Ribamar, o rei dos hunos maranhenses. Não foi preso pelo general, mas será por Xandão, o xerifão dos perigotes patrióticos. Para qualquer ser humano, a prisão deve ser a última possibilidade. Por isso, passei um bom tempo dos últimos cinco anos torcendo pela recuperação do cidadão que passou pelo menos quatro anos e meio mentindo para o povo e articulando um golpe, cujo desfecho certamente seria o desaparecimento e a morte de dezenas, centenas, talvez milhares de esparros úteis e de inocentes. Tudo em nome de um poder que sabidamente é efêmero.

Foi assim de 1964 até o fim dos anos 70, quando os ditadores da época iniciaram o processo de redemocratização. Passamos longo período de perrengues inimagináveis para a maioria dos que hoje defendem o arbítrio. Depois de 39 anos de experimentos democráticos mais sólidos, não seria a hora de redescobrirmos o Brasil? Sei que nem todos os brasileiros foram feitos uns para os outros. No entanto, também sei que morder a rapadura é doce, mas não é mole. Ou seja, tomar licor de merda deve ser bastante desagradável, mas se ele fizer bem ao cérebro não há mal algum que o tomemos. Quem sabe em doses homeopáticas.

Independentemente do credo, da raça, do partido e da camisa do clube pelo qual se torce, o segredo da boa convivência é conviver sem segredos. Você pode não gostar de mim, mas sua filha tem todo o direito de me amar. É de bom alvitre que a recíproca seja verdadeira. Vale lembrar que ser pacífico é muito diferente de ser submisso. Às vezes, tenho lampejos de ojeriza contra os “patriotas”. Todavia, não posso negar que, apesar dos exageros, patriotas e nacionalistas extremados são tão brasileiros como eu que prefiro a boa convivência com altos níveis de tolerância.

Obviamente que a distância entre o namoro e o casamento é parcimoniosamente grande. Tudo depende da forma como encaramos o sentido da vida em comum. Antes do flerte, existe o conhecimento, sem o qual não há hipótese de relacionamentos mais arraigados. Se há dificuldade para uma maior aproximação, pelo menos deixemos aflorar a admiração e o respeito, pressupostos básicos de qualquer relação. Podemos não concordar com as análises sobre o político ou o clube de nossa preferência. O que não pode ocorrer é alguém se utilizar de avaliações intempestivas e temporariamente rudes para nos transformar em pessoas com instintos animalescos indomáveis.

Faço minhas as palavras dos pensadores, para os quais pessoas brigando por causa de partidos ou de políticos são como ovelhas discutindo se irão ser devoradas por um leão ou por um tigre. Embora tenha reações incondizentes com minha formação, de minha parte procuro evitar conflitos com amigos por causa da política partidária. Parto do pressuposto de que, ao contrário dos amigos, que duram para sempre, os políticos passam como o vento. E somem na poeira. Não nos iludamos e lembremos sempre que, eleito ou derrotado, os políticos, incluindo presidentes de ontem e de hoje, vivem para dividir o povo em instrumentos e inimigos. Na prática, não passam de conspiradores que se unem.

Mais uma vez recorro aos pensadores para afirmar que aquele que briga para defender políticos tem a mesma inocência de um soldado que vai à guerra. Ele não sabe, mas, no fim da batalha, acaba um herói morto. Eu quero ser um covarde vivo. Por isso, luto para ter amigos e não cupinchas. Somos milhões de índios. Entretanto, nos subordinamos a algumas dezenas de buanas, de caciques. Sintetizando a prosa, minhas convicções políticas e democráticas são por demais conhecidas. Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las. Portanto, a única coisa que peço é o respeito pregado por Voltaire. Que tal seguirmos o preceito de Platão: “Tente mover o mundo. O primeiro passo será mover a si mesmo”. Esse pode ser o maior segredo da boa convivência.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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