Marta Nobre e Bartô Granja
José Tatico, ex-deputado por Goiás e empresário no Distrito Federal e Entorno, pode até não ser flor que se cheire. Entretanto, não é nenhuma Amorphophallus titanum. Ele tem mesmo algumas pétalas salvadoras. São as que exalam o aroma do trato quando a conversa envolve autoridades supostamente interessadas em contornar problemas relacionados à invasão de área pública.
O episódio da derrubada de parte de um dos seus supermercados é um exemplo. A história é diferente daquela que se contou. E pode ser lida a seguir.
Para o público desavisado a operação de demolição do Supermercado Tatico na Ceilândia, no primeiro semestre de 2015 foi visto como uma demonstração de imparcialidade e eficiência de um governo recém-empossado. O Palácio do Buriti procurou mostrar, ocupando grandes espaços na mídia, que seria intransigente com infratores. E propalou o aviso que a era de ilegalidades com a ocupação irregular de áreas urbanas chegara ao fim.
Mas os fatos dos bastidores que antecederam a “Operação Tatico” provam exatamente o contrário.
Documento expedido em 20/mar/2015 por Bruna Pinheiro, diretora da Agefis, tentou cinicamente persuadir o Ministério Público a “aliviar a barra” do Supermercado Tatico sugerindo a regularização da invasão de área pública mediante assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta, envolvendo não somente aquela agência fiscalizadora, como outros órgãos da estrutura do Governo de Brasília. E, pior: medidas como a que ela propunha só poderiam ser concretizadas com total conhecimento, autorização e participação da cúpula do Poder Executivo.
O Ofício nº. 277/2015-Gab/Agefis justificou à 4ª Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística que “A iniciativa emerge do fato de se haver vislumbrado que a temática pode ser conduzida sob outra perspectiva, mormente quando se pode vir a beneficiar a comunidade carente da cidade de Ceilândia. (…) de modo que o Supermercado Tatico possa, mediante a proporcional e justa compensação a beneficiar a coletividade, manter a ocupação”.
Acrescenta ainda: “Rememore-se que o estabelecimento guarda proximidade com as regiões onde se encontram os parcelamentos do Pôr do Sol e do Sol Nascente, comunidades notoriamente carentes de toda e qualquer estrutura básica de educação ou saúde, o que, nosso pensar, poderia ser minimizado por uma iniciativa do estabelecimento em atender a alguma dessas lacunas”. Emocionante, não?
Amor e ódio – Naquela época, ninguém imaginava que a mesma autora de proposta tão abnegada em favor dos pobres e oprimidos fosse, pouco tempo mais tarde, executora das derrubadas mais truculentas da história da capital da República contra as mesmas comunidades notoriamente carentes do Pôr do Sol e do Sol Nascente, dentre outras tantas. A compaixão virou ódio!
Ao ouvirem o canto da sereia que “Se é bom para o Tatico é bom para Brasília” quatro promotores dos mais respeitados dessa cidade deram um coice na iniciativa de Bruna Pinheiro, e determinaram a apuração de “eventual prática de ato de improbidade administrativa nas tratativas efetuadas por agentes públicos no sentido de viabilizar a regularização da área ocupada ilegalmente pelo Supermercado Tatico”. Ofício nº. 0589/2015 – 3ª PROURB, de 30/mar/2015. Inquérito Civil Público nº. 08190.045999/15-05.
O MPDFT apontou que a empresa havia descumprido decisão judicial transitada em julgado há mais de 15 anos, além de todas as medidas extrajudiciais possíveis firmadas em 1996 e 1997. Os promotores tiveram que lembrar à presidente da Agefis que ela estava advogando em favor de reincidente contumaz no tocante ao descumprindo de Autos de Infração e Intimações Demolitórias da própria agência. Um vexame. Ensinaram o padre a rezar.
Sai bravura, entra bravata – O mais triste nesse episódio sórdido é perceber que enquanto dezenas de auditores fiscais, policiais e pessoal de apoio travavam há meses verdadeira guerra campal contra centenas de funcionários da empresa (cerca de 800) para fazer cumprir determinação judicial de desobstruir uma ocupação ilegal de área pública, Bruna Pinheiro, no conforto de seu gabinete, se engajava pessoalmente em articular outra solução em sentido contrário, menos republicana. Em outras palavras, “vendia” o sangue de seus subordinados como se fossem peões em um tabuleiro de xadrez. Será por isso que a gestão dela não emplaca?
A proposta continha “fortes indícios de atender interesse eminentemente privado” pois implicava em alienação de bem público sem processo licitatório importando em clara violação ao princípio da isonomia, salientou o MPDFT. A Agefis de fato tentou reconsiderar assunto já transitado em julgado pela justiça. Tornar-se a 4ª Instância do Poder Judiciário. Ingenuidade ou ousadia?
Mas, ficam algumas perguntas. Será se ela tentou isso sozinha? Ou estava cumprindo ordens superiores? Se sim, de quem?
Bruna cita em seu documento: “Tal realidade foi levada a cognição dos gestores de todas as pastas que detém competência para tutelar a temática, tendo todos eles recepcionado a iniciativa e, em caso de aquiescência desse Ministério Público, assumirão o compromisso de laborar com o devido zelo no sentido de que todas as tratativas para elaboração do TAC sejam permeadas de legalidade” – sem saber que essa simples proposta já era uma ilegalidade em si.
Que “todas as pastas” são essas? Casa Civil, Sedhab, Terracap? Houve uma reunião? Onde? Com quem? Diz aí Bruna – quem foram os gestores que assumiram o compromisso de regularizar o Tatico junto com você? Rollemberg sabia disso?
Depois de ver suas aspirações frustradas, obrigado pelo MPDFT a remover o Tatico, o Governo de Brasília se esforçou para fazer com que tudo parecesse um ato de bravura e austeridade. Mas não foi bravura. Foi bravata. No fundo, Tatico, mesmo não sendo flor que se cheire, manteve o caule ereto.
Foi assim que aconteceu.
Relembre o caso, acesse os vídeos:
https://www.youtube.com/watch?v=EZ6ureeUlaE
https://www.youtube.com/watch?v=z3ZVYBMyGAA