Acostumados a ser chamados de burros, os brasileiros que não acreditam em chorumelas ou em falsos profetas já não reagem mais àqueles que têm certeza de que são. Aliás, tivessem orelhas e rabos mais avantajados, seriam os próprios. Com todo respeito, o que será que será que anda maquinando a inteligência zoológica dos abissais “patriotas”? Será uma revolução intestinal? Uma invasão gástrica ao fígado sem esteatose dos que eles acham burros? Quem sabe já pensam em dividir o bolo fecal que produziram com outros membros menos infelizes da facção Inteligência Artificial.
Seja lá o que for, pouco devemos esperar de pessoas que odeiam a própria sombra pelo simples motivo dela nem sempre estar à direita. Sei que a “burrice” dos inteligentes, que é passageira, incomoda à inteligência dos burros, que parece endêmica. Afinal, são eles que achavam que poderiam dar um golpe baseados na cartilha bolorenta da elite covarde e apoiados somente na força de um “capitão” de bravata e no tédio de um cabo e de um soldado que só serve para servir. Os burros jamais acreditaram nessa possibilidade. Mas o que fazer diante de inteligentes antológicos?
Antes que sejam obrigados a recorrer ao disse onário, esclareço que a conotação do adjetivo não é de memorável ou notável, mas de animalesco, mais precisamente do mamífero perissodáctilo da família dos tapirídeos. Recorrendo aos escritos do sábio Jorge Ben Jor, errare humanum est. O problema é permanecer no erro. Aí vira um pensamento diabólico. Preocupada exclusivamente com o coletivo, a turma denominada burra nunca agiu com o fígado. Pelo contrário. Contou até três e, como precisou, contou outra vez, mas soube esperar quatro anos para que a inteligência pai-d’égua se enrolasse em seu próprio cabresto.
Hoje, ela assiste de camarote à falta de trono para abrigar tantos patronos da desgraça da qual fogem como o Diabo da cruz e os pastores da Receita Federal. Agir, gritar e sair do tom como cães nervosos, como aquele arrecadador de dízimo que mostrou a cara na Avenida Paulista e, por isso, corre o risco de ser atropelado pelo trator chamado Xandão. A esse tipo de gente, vale lembrar que o Brasil seria uma potência se determinados pastores evangélicos fossem tão enfáticos na defesa da democracia e da liberdade como são na captação do dízimo. A ênfase deles é desidratada quando acaba o culto em que ele cobra a obrigação de ajudar a Deus.
Óbvio que estes pagarão caro pelo tamanho do desfalque que causam àqueles que nada têm. Os pastores do apocalipse os representantes da covardia intelectual sem limite certamente fecham com o mito, para quem pobre tem o título de eleitor na mão e o diploma de burro no bolso. A afirmação não chega a ser uma inverdade, mas, no fim e ao cabo, quem venceu a parada? Quem riu por último? Com toda sua esperteza, o caçador virou caça. Mais relevante é que, enquanto o caçador busca saídas contra a jaula, o caçado viaja pelo mundo pregando a paz e a democracia.
Sem mais delongas, do mesmo modo que os “burros” não admitem a hipótese de pensar em novo governo de extrema desorientação, os inteligentes têm o direito do comprometimento político com seres que se imaginam de outra galáxia e que, por razões diversas, personificam e incorporam o radicalismo desejado pela minoria sábia. Eis a questão. Aqueles que se contentavam com comida e diversão grátis, isto é o Panis et circenses, resolveram adotar a tese do poeta romano Juvenal e passaram a questionar o desempenho dos governantes e o comando ditatorial da elite e da classe média conservadora. A ordem é tirar da sala de jantar as pessoas ocupadas somente em nascer e morrer.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978