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E o que fazemos?

Cada povo tem o governo que merece. Ou não é bem assim?

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior* - Foto de Arquivo

Cunhada há mais de 200 anos pelo filósofo francês Joseph-Marie de Maistre, a frase cada povo tem o governo que merece infelizmente ainda encontra grande aplicabilidade no Brasil do Bolsa Família e das propostas paternalistas que acostumam expressiva parcela do eleitorado a viver às expensas dos governos municipais, estaduais e federal. Claro que nem todos pensam desse modo. Assim como a maioria não procura saber se as promessas de seus candidatos se transformaram em projetos ou em ações, uma minoria sofre com os desmazelos de grupos dessa população que entende que cabe exclusivamente aos administradores cuidar do seu habitat. Pode ser. Entretanto, se não fizermos nossa parte não há Estado que se sustente.

Da mesma forma que temos o dever de escolher bem nossos governantes, temos obrigação de cumprir as leis, respeitar os direitos sociais de outras pessoas e educar e proteger nossos semelhantes. Em síntese, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. O problema é quando fazemos exatamente o contrário. E não basta a marginalidade formal para que sejamos acusados de agir fora das quatro linhas. Deixar de colaborar com o governo que cobra seus impostos é tão nocivo como aquele que ataca o patrimônio público ou busca usufruir do que é do alheio por maldade, falta de vontade de trabalhar ou simplesmente pela necessidade de se manter à margem da lei.

Em Brasília há 37 anos, me acostumei com governos de diferentes padrões. Convivi com aqueles que, em benefício próprio, doavam lotes que não eram seus, com os que construíram estádios que, antecipadamente, não serviriam para nada e com outros que ergueram um centro administrativo que jamais usariam. Enterraram caminhões de dinheiro no buraco profano da corrupção e tudo ficou por isso mesmo. Acho que aprendemos com os erros. No Governo do Distrito Federal de hoje, aparentemente esse tipo de indecência é pontual e logo corrigida. Por exemplo, já tivemos um secretário preso, outro ameaçado até a alma e vários servidores do primeiro escalão respondendo a processos cabeludos.

E nós, o povo, o que fazemos? Nessas quase quatro décadas na capital, aprendi que, além de atender às necessidades noticiosas da mídia local, cobrar soluções por mazelas que nós mesmos criamos é um fato corriqueiro e, às vezes, com resultados práticos. Invadir e construir boas casas em terrenos públicos, edificar prédios em regiões proibidas, exigir asfalto, redes de águas e esgoto e luz elétrica em áreas ocupadas irregularmente, além de jogar lixo em locais incorretos, são situações comuns em Brasília e no Distrito Federal. Como se o governador e secretários fossem culpados, esses problemas fazem parte da extensa lista de cobranças ao GDF. Natural que isso ocorra. Afinal, é muito mais fácil cobrar, acusar de inércia e demandar o governo por coisas que estão em nossa relação de deveres.

Convenhamos que jogar restos de camas, sofás, geladeiras e televisões em rios ou córregos não é uma determinação do GDF. É uma inversão de valores culturais. Se não mudarmos, perderemos os rios e ficaremos sem água. E qual a culpa do GDF? Para tentar corrigir essa deformação de conduta, nós pagamos e o governo espalhou pela cidade dezenas de papas lixo. E daí? As ruas e praças permanecem sujas, pois ainda não somos tão educados como nos faz crer nossa vã filosofia. Enfim, nos acostumamos a pedir, a cobrar, a achar que os governadores têm de estar à nossa disposição. Claro que há os que realmente nada fazem para agradar o eleitorado.

Alguns são absolutamente despreparados e desaculturados para esse tipo de função. Apesar da campanha contra de determinados telejornais, não é o caso do Ibaneis, mas é o do…. Melhor deixar para lá. O embaraço é que aprendemos e não conseguimos soltar as amarras daquela antiga indagação dos nossos avós: que tipo de país e de governantes deixaremos para nossos filhos e netos. Interessante. Entretanto, não vislumbramos a possibilidade de atualizar a mesma indagação. Com o mundo globalizado e cada vez mais longe de nosso controle, talvez fosse o caso de perguntarmos que tipo de filhos e netos deixaremos para o país e para os governantes. Invertendo a ordem, pode ser que, no futuro, consigamos afirmar que cada governo tem o povo que merece. Aí será o fim dos tempos. Quem sabe, o sinal dos tempos.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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