O Lado B da Literatura
Cadu, o escritor das pitadas eróticas que não esquece a delicadeza de uma rosa
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Hoje trago algumas curiosidades sobre o talentoso escritor Cadu Matos, contista multigênero, em geral bem-humorado, rabugento com a idade… Aliás, antes de expor as vísceras do nosso convidado, quero contar que o danado, primeiramente, se recusou a ser retratato por este velho. Por acaso estava com medo de alguma coisa, Cadu?
Melhor ouvir do próprio autor: “Pensei em aceitar – ninguém escreve se tiver pruridos em se expor, em soltar a franga, ou melhor, o pavão literário interior, que adora exibir o rabo – mas, a contragosto, decidi recusar.”
Parece que o nosso amigo tem pendengas rem relação ao próprio nome, ou seria nome próprio?
“… Carlos Eduardo. Nome-maravilha, nome de príncipe, de Charles Edward Stuart, o Bonni Prince Charlie, que disputou o trono inglês (e perdeu). Nome de um personagem inesquecível de Eça de Queiroz, Carlos Eduardo Maia, do romance “Os maias”. Só que o príncipe se ferra e o gajo do romance portuga tampouco se dá bem. Levou tempo, mas adotei como nome o apelido, Cadu. Nada principesco, plebeu na última, mas simpático. É como Cadu Matos que assino meus livros.”
Para não contrariar o autor mais publicado do Notibras…
— Do Notibras, não, Condé. Do Café Literário.
Quem me corrigiu foi a minha colega Cecília Baumann.
Prossigamos, então, destrinchando a vida do nosso convidado através das suas próprias palavras:
… os ziguezagues acadêmicos e profissionais. No colegial (aka Ensino Médio), cursei o científico, mas me formei no clássico. Depois, entrei nas faculdades de Direito e Economia, terminei a primeira, que detestava, e abandonei a segunda, minha predileta. Fui salvo de uma carreira como advogado pela boa e velha Abril Cultural, que sabia explorar essa mão de obra de interesses diversificados. Seja como for, o escrever foi uma das poucas constantes de minha trajetória ziguezagueante. Também dei aulas em faculdade, em Évora, Portugal, e na FGV-SP, mas não era a minha praia.”
— Coincidência, Condé.
Nova fala da colega Cecília
— Qual?
— O Dan é advogado e é professor universitário.
O tal Dan é o Daniel Marchi, nosso colega aqui no Café Literário. Mas voltemos ao nosso Cadu, que já mostrou todo seu talento futebolístico nos gramados franceses.
“… testemunhos de meu passado, tipo fotos da infância e praticando esportes. No convite para ser esboçado, pediram-me que encaminhasse esses elementos de memorabilia. Fotos, quase não tinha; da infância, conservava apenas uma em que, por volta dos cinco anos, avançava, o fura-bolo em riste, contra um bolo de aniversário, para furá-lo (evidente, né?). Esportes, minha última partida de futebol foi em Paris, em 1976. Estava bêbado, e pedi para entrar em uma pelada que reunia franceses, africanos e orientemedenses. Cantarolei “o brasileiro, lá no estrangeiro, mostrou o futebol como é que é…” e me preparei para brilhar. Foi um vexame. A maioria, de calção e chuteiras. Euzinho, de ceroulas (fazia um frio do cão), calça de lã, camisa de flanela, casaco pesado e sapatos de sola de borracha, não acertava um passe. Quando realizei minha única jogada memorável, uma caneta, a bola entre as pernas do adversário, os jogadores dos dois times gritaram que tinha sido par hazard, sem querer. Naquele dia, a Europa não se curvou ante o Brasil. O Oriente Médio e a África, muito menos.”
O Escritor… Percebeu que escrevi com letra maiúscula? O Escritor Cadu Matos não se considera escritor? Vamos tentar entender isso através do que ele disse.
“… na impossibilidade em definir-me como escritor. No conto Musas – que será publicado em Notibras –, o protagonista (moi) declara receber a visita da musa dos contos eróticos e da musa dos contos de melancolia. No final, porém, chega uma terceira musa, a dos contos de sacanagem desenfreada. E faltou, diga-se, a musa dos contos bem-humorados – que é prima-irmã da dos contos eróticos, ou seja, musa do erotismo com leveza e bom humor. As quatro inspiram minha produção, o que me levou a definir meu estilo como pornochanchada literária. E, pairando beatificamente acima delas, a divindade do humor, a mesma que, segundo Drummond, no poema “Consolo na praia”, ajuda a suportar as feridas que nunca, nunca cicatrizam. Sempre com um sorriso nos lábios – contido, apolíneo, ou escancarado, dionisíaco –, ela orientou a esmagadora maioria dos meus escritos, entre eles estas confissões.
No entanto, a deusa sorridente vem se ausentando de minha produção de melancolia, cada vez mais abundante. É que o tempo é uma pantera e a idade/a vida mata a gente, morena. Estou com 78 anos, brinquei, pegando carona no título do livro de meu amigo Eduardo Martínez, “57 Contos e crônicas por um autor muito velho”, que iria colocar, em meu próximo livro (tenho três e quatro e-books), o título “57 Contos e crônicas por um autor muito mais velho que o autor muito velho”. Só que são bem mais que 57, comecei a escrever em 2019, produzi até agora 452 contos, basicamente bem-humorados, eróticos, de sacanagem desenfreada e de melancolia.”
Este é o nosso Cadu Matos, Escritor de Verdade.
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Cassiano Condé, 81, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.
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