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Esse cara

Caetano inspira os loucos devaneios de fêmea perigosa

Publicado

Autor/Imagem:
Cadu Matos - Foto Francisco Filipino

“Ah, que esse cara tem me consumido…” – cantarolou Luna. Gostava dessa composição de Caetano, um retrato preciso da condição submissa de muitas mulheres. Mas logo parou e deu um muxoxo de desprezo.

– Tem me consumido o cacete! No meu caso, a coisa é tão verdadeira quanto uma nota de três reais! – disse a si mesma, com um risinho.

A começar pelo título e pelo primeiro verso. Para Luna, nunca era esse cara, eram esses caras, quantos mais, melhor. E era ela quem os consumia. Literalmente. Pensou em seguida nos versos “Com seus olhinhos infantis/Como os olhos de um bandido”. Não eram infantis e nem de bandido, eram olhos de homem, crédulos e presunçosos, sempre pensando ser o rei da cocada preta, o garanhão. Olhos tão diferentes dos dela, com sua magnífica alternância de cores, ora amarelos, ora verdes, em raras ocasiões azul-esverdeados.

Olhares confiantes, quase inocentes apesar do desejo à flor da pele, os deles; olhar sempre à espreita, preparado para qualquer eventualidade, o dela. Olhos femininos, avaliadores, perigosos.

Continuou a examinar a letra da canção. Aí, teve de admitir, os versos eram mais verdadeiros. “Ele está na minha vida porque quer/Eu estou pro que der e vier”. Era isso mesmo, eles se enredavam de armas e bagagens na sua teia, como se o odor de uma fêmea os inebriasse. Ela, sempre pronta pro que desse e viesse, de bote armado, nem precisava recorrer às armas da sedução (bem, só um pouquinho, sentia falta disso, gostava de sentir-se desejada).

“Ele chega ao anoitecer/Quando vem a madrugada ele some”. Pura verdade, mas não no sentido imaginado pelo compositor. Chegada ao anoitecer, claro, para um amorzinho à luz da lua. E sumiço de madrugada, antes do raiar do dia. Sumiço literal, depois de ser consumido por ela, a predadora sensual.

E então Luna chegava aos versos finais, que sempre a indignavam, apesar de ser uma fã ardorosa de Caetano. “Ele é quem quer/Ele é o homem/ Eu sou apenas uma mulher”.

– Absurdo! – explodiu. – Não é apenas ele quem quer, também quero, e preciso disso bem mais do que ele! E quanto a ser apenas uma mulher…

Sou uma fêmea, pertenço ao gênero mais poderoso e mais perigoso que existe!

A raiva e os raios da lua aceleraram a transformação. Antes de mudar de forma, Luna descartou o tornar-se loba e optou pela existência temporária como pantera, achava suas linhas lindas e elegantes, extremamente femininas.

Pouco depois, a pantera quebrou os ossos do cadáver de seu amante e devorou o tutano, era uma delícia. Também comeu o coração e outros órgãos internos, bem tenros. Em seguida, com seu andar macio, deixou a clareira e penetrou na floresta, todos os seus sentidos aguçados ao máximo, embriagada com o odor de tantas presas em potencial que a esperavam.

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