Engraçado como a simples visão de algo é capaz de fazer com que lembranças adormecidas, praticamente defuntas, despertem de repente. No caso em questão, não foi exatamente algo que vi, mas o inconfundível aroma que veio do apartamento ao lado, cuja brisa, talvez em raro momento de gentileza, me fez chegar às narinas bem aqui na poltrona da sala. Nem sei se sorri, mas gosto de pensar que sim, pois senti aquele cheiro de café fresquinho, suplicando para ser degustado a goles suaves em quintal repleto de flores e passarinhos.
É verdade que moro em apartamento. Quinto andar, para ser mais exato. E o máximo de natureza que disponho é uma orquídea de plástico na varanda. Foi presente de uma tia querida, que me visita com certa regularidade. Por conta dessas vindas da minha parenta, nem me atrevo a jogar aquele trambolho fora. Que fique lá enganando qualquer beija-flor desatento.
O café! Ah, o café! Quantas recordações me traz esse cheiro inconfundível. Minha avó era especialista no preparo, sabia que a água não se ferve, o ponto é até surgirem aquelas pequenas bolhas no fundo da chaleira.
Nessa época de menino, vovô, que era advogado, atendia no escritório em sua casa. Invariavelmente, vovó preparava aquele cafezinho e levava em uma bandeja de prata para os clientes. E, quando eu estava por lá, ela me chamava para carregar uma cestinha com alguns biscoitos finos.
Assim que deixávamos o café e os biscoitos, saíamos para não atrapalhar o trabalho do vovô. Por isso, quase nunca ouvíamos algo. Mas eis que, certa vez, um homem, que não deveria ter chegado aos 30 anos, perguntou para meu avô quem eu era.
— É o Marquinho, meu neto.
— Que saudade dos meus tempos de criança, doutor Olavo.
— O tempo, meu amigo, é um suspiro.
— Doce?
— Não. Ligeiro.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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