O Brasil seria uma potência política caso os pastores evangélicos falassem de democracia, pátria, liberdade e família com a mesma ênfase verborrágica como impõem a cobrança do sagrado dízimo. Eles não fazem, mas empregam uma legião de fanáticos abobalhados do tipo topa tudo por dinheiro. Dia desses, andei lendo trechos vazados de uma audiência de reclamação trabalhista envolvendo um ex-obreiro e uma das mais famosas igrejas do ramo. No meio da leitura, descobri uma nova e abençoada profissão: a de caidor. Indagado pelo juiz sobre o papel exato do caidor, o reclamante não hesitou: “Cai”. Provavelmente alguma similaridade com Neymar Junior.
“Acho que não entendi. Pode me explicar melhor?”, perguntou o juiz. “A igreja me contratou para eu ser caidor. Eu aparecia nos cultos, me jogava ao chão, estrebuchando como se estivesse possuído. Também simulava cura de doenças e outros milagres”. O sujeito atuou por meses a fio nessa função em todas as igrejas da seita congregacional. Só a deixou porque os “dizimistas” mais ferrenhos o reconheceram e o ameaçaram. Dispensado por ser um “idiota” que se permitiu reconhecer, cobra direitos justos e até exorcizantes do pastor contratante. Afinal, todo caidor merece pelo menos uma chance de se levantar. Não é o caso do Neymar.
Cômico não fosse trágico e repugnante, o fato acima não é invenção, tampouco piada mal contada. É a versão animalesca criada por uma igreja dos bolsos cheios para ludibriar a boa fé dos incautos e dos ingênuos. Na melhor das definições, é uma apelação vergonhosa. Mais vergonhosa é a naturalidade como os pastores evangélicos tratam o ser humano que, por meio da fé, procura um desses templos da perdição em busca de salvação, de um emprego, da mulher amada ou de uma conversa ao pé do ouvido com o Mestre dos mestres. Normalmente, o sujeito (a) não arruma nada e ainda perde o pouquinho que tem.
É ou não é uma escancarada burla da fé? Nada a dizer sobre os cidadãos que optam por essa ou qualquer outra religião. É uma questão de foro íntimo. Entretanto, tudo contra os líderes que enriquecem à custa da ingenuidade alheia. Vale registrar que a maioria deles é vinculada escrachadamente ao extremismo bolsonarista e, por isso, defende com unhas, dentes e faca amolada a ruptura democrática. Com uma bancada específica no Congresso para atender os anseios do mito jubilado, os pastores são, de longe, os maiores apostadores do quanto pior, melhor.
São os investidores da promíscua relação entre a religião e o Estado. Pelo menos eram. Até bem pouco tempo, o verdadeiro dono do rebanho bolsonarista – Jair era e é somente o espantalho -, o pastor Silas Malafaia continua pregando a tese do caos como solução para a manutenção esculhambada da “famiglia” Melhor do que muitos, ele sabe que a cassação de Bolsonaro é irreversível. Sabe também que a provável prisão do amigo ocasional não tem volta. E por que ele insiste em se movimentar em apoio ao ex-presidente?
Querem uma resposta clara e objetiva? Pois leiam detalhadamente o versículo 171 do Código Penal. Tenham certeza de que não há nenhum propósito religioso ou de solidariedade. É puro interesse. É como o “caidor”, cuja função, a mando do possuidor, é enganar a “vítima” para obter algum tipo de vantagem, na maioria das vezes em dinheiro. Aportuguesando o versículo mais famoso da Bíblia penal, é golpe. Como diria o corretor gago do jogo do bicho na ma-ma-mosca. Pouco afeitos a perder viagem, com Bolsonaro ou sem Bolsonaro os pastores evangélicos só querem saber de si. Vem deles a tese abstrata do sucesso absoluto: Mais vale um seio na mão do que dois no sutiã.
*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras