Jornalista que procura se manter bem informado, do tipo que lê até bula de remédio para conhecer efeitos colaterais, Bartolomeu Rodrigues, por estar ocupando, em abril, um cargo que de jornalismo tem apenas o lápis que traça delicadas figuras, estranhou chegar ao seu gabinete, na véspera do show da Banda Kiss no Estádio Nacional Mané Garrincha, o pedido para liberar 1 milhão 500 mil reais em emendas parlamentares a título de patrocínio do evento promovido pelo site Metrópoles.
Assim, em cima da bucha – ou do bucho, como se diz quando se come uma buchada na feira dominical de Serra Talhada, terra natal do ex-secretário de Cultura de Brasília. Com uma pulga atrás da orelha, o pernambucano Bartolomeu Rodrigues fechou os olhos e transportou-se ao seu tão conhecido sertão, onde homens costumam andar com uma peixeira na cintura. Acordou de uma viagem imaginária e chamou sua assessoria jurídica.
A pergunta foi curta e grossa. Haveria algum fundamento no pedido das emendas patrocinadas pelos deputados distritais Eduardo Pedrosa (União Brasil), João Hermeto (MDB) e Robério Negreiros (PSD)? Ouviu uma resposta verbal. “Não”. O ainda secretário cobrou, então, um parecer oficial.
No final da tarde o documento estava em suas mãos. Era quarta-feira, 12 de abril. Na quinta, 13, a manifestação da Assessoria Jurídica foi despachada para a Procuradoria-Geral do Distrito Federal. Lá, mais um não. A encomenda calçou direitinho no pé do secretário, como uma alpargata de pele de bode.
No dia seguinte (sexta, 14), Bartolomeu Rodrigues assinou um despacho vetando a liberação do valor de 1 milhão 500 mil reais correspondentes às emendas parlamentares. E justificou a medida: o projeto não contempla a necessidade e o inarredável interesse público.
Bastou isso para que os tentáculos do escovão, que orbita entre astros do poder brasiliense, entrassem de supetão em outros locais para fazer brotar as sementes que dariam frutos oriundos das emendas extraídas de Hermeto, Pedrosa e Robério. A nova tentativa foi infrutífera. E sem açúcar, sem afeto, despachou-se outra negativa. E o doce predileto, onde uma matilha de 7 mil 500 lobos-guará eram recheados com dinheiro que sem-teto e sem terra-terra nunca viram pela frente, não saiu do forno.
Luiz Estevão, suposto dono do Metrópoles, sentiu pela primeira vez que as coisas não estavam indo tão bem como ele havia imaginado. Como o cachê da banda era muito alto, fazia-se urgente dar um jeito para não ser obrigado a tirar dinheiro do próprio bolso. E mais uma vez emissários foram despachados em todas as direções. Àquela altura, porém, uma missão tão impossível que sequer Tom Cruise seria capaz de cumprir.
Quem esteve naqueles dias com o senador cassado, condenado a mais de 30 anos de prisão por corrupção e formação de quadrilha com o ex-Juiz Lalau, garante ter ouvido Luiz Estevão cantarolar uma velha canção de Jorge Aragão. Dizia algo parecido com ‘(…) malandro, você tá sabendo que o Zeca morreu/Por causa de brigas que teve com a lei (…) Só peço o favor de que tenhas cuidado/Olha, as coisas não andam tão bem pro teu lado (…).
– Bartô, vem cá, disse o chefe dono da caneta. Você, meu confidente, irmão, camarada, troca o gabinete no Museu da República por um ao meu lado, aqui no Palácio do Buriti.
Bartolomeu Rodrigues foi. O agora secretário Cláudio Abrantes, quando pedir audiência ao governador, será direcionado para despachar justamente na sala do seu antecessor na Secretaria de Cultura.
No sábado, 8, terceira e última parte do escândalo das emendas. Privatização e kitinete de cunho social para morador de rua?