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Câmara acorda e resgata a Carta-Cidadã de Ulysses

Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Bartô Granja e José Seabra

Em outubro de 88, repórteres das sucursais de Brasília da Folha de S. Paulo e O Globo, hoje integrantes do quadro de profissionais de Notibras, assistiram ao deputado Ulysses Guimarães assinar a nova Constituição brasileira, que ficou conhecida como Carta-Cidadã. Naquele momento o Brasil saía definitivamente de um regime de exceção para construir um regime democrático.

Os constituintes, liderados por Doutor Ulysses, adotaram o modelo de Montesquieu com três poderes independentes que deveriam funcionar de modo harmônico; e o espírito libertário da Carta estabeleceu que medidas extremas – a exemplo de prisões antes do trânsito em julgado de decreto condenatório – só poderiam ocorrer em situações muito especiais.

Esse entendimento consagrou a presunção da inocência.

Passados quase 30 anos, e após ser alvo de um processo de demonização muitas vezes justas em razão de criminosos fantasiados de parlamentares, a Câmara dos Deputados, por intermédio de sua CCJ, dá uma demonstração de coragem e sinaliza que quer voltar a ocupar o lugar que a Carta-Cidadã lhe conferiu: além de legislar, fiscalizar os atos de quem exerce função pública.

Diante de uma denúncia manifestamente inepta sob o aspecto formal, os membros da Comissão de Constituição e Justiça reprovaram na quinta-feira, 13, o parecer que recomendava autorização para analisar o recebimento de denúncia contra o presidente da República.

É louvável, de um lado, que se comemore a coragem dos parlamentares que ousaram combater a incompetência de setores da Procuradoria-Geral da República. Agiram como antídoto a um câncer que insiste em querer consumir ações republicanas para tentar derrubar um presidente por supostamente terem interesses contrariados.

É constrangedor, de outro lado, a postura de parlamentares que vestindo-se de papagaios de pirata, preferem pautar sua conduta por manchetes de jornais, como se isso representasse a vontade soberana do povo.

O episódio da CCJ, porém, não se esgota com a rejeição de um relatório feito para manchetes. É necessário que se apure, desde o início, as declarações do delator Joesley Batista. Ele deve ser interrogado por juízo competente. Quem sabe se, nessa situação, descubram-se fatos novos, como as razões que levaram à sua imunidade penal, apesar de inúmeros e hediondos crimes por ele praticados, inclusive após celebrar a delação premiada transformada em verdadeiro prêmio.

Pode-se descobrir também porque um procurador federal, braço direito de Rodrigo Janot, pediu demissão em um dia e no seguinte foi “advogar” um acordo de leniência altamente lesivo aos cofres públicos.

Com tudo esclarecido desde a origem, remanescendo suspeitas fundadas de envolvimento de Michel Temer, a PGR deve reformular a denúncia contra o presidente da República, como poderá fazê-lo contra qualquer cidadão, inclusive membro do parquet, na eventualidade de fundamentadas suspeitas de conduta ilegal no exercício da função.

Enfim, quem testemunhou o gesto de Ulysses Guimarães, pode dizer, hoje, que a Câmara dos Deputados age de forma resoluta em sua obrigação de resgatar prerrogativas usurpadas por aqueles que, embora não serem um dos poderes da República, se arvoraram em querer ser intérpretes da lei, mesmo que ao custo inacreditável de infringi-la.

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