Cândido, definido em velha sala de biblioteca, homenageia a literatura do Paraná
Publicado
emGuilherme Sobota
Há cinco anos sem interrupção, todo mês, um pequeno grupo de jornalistas se reúne em uma sala na Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba – sediada em um bonito prédio histórico tombado no centro da cidade, próximo à Boca Maldita. Nas reuniões, eles definem a pauta do Cândido, o jornal literário mensal mantido pela BPP desde agosto de 2011 e que agora chega à 61.ª edição, cujo destaque é um material especial sobre a literatura paranaense.
Quem viveu em Curitiba e nutre simpatia pelas letras gosta de imaginar a cidade como um local literário: grandes escritores como Dalton Trevisan e Cristovão Tezza vivem no mesmo bairro, Paulo Leminski virou best-seller, uma geração de escritores “marginais” dos anos 1980 e 1990 criou uma estética, embora bastante variada, familiar entre si (Jamil Snege, Manoel Carlos Karam, Valêncio Xavier e Wilson Bueno). Mais recentemente, os trabalhos do tradutor Caetano W. Galindo e do cronista Luis Henrique Pellanda alcançam grande repercussão nacional.
O Cândido se insere, então, numa tradição de veículos locais que fez esses e muitos outros nomes circularem.
“Como a cidade nunca conseguiu criar um mercado editorial próprio, com grandes editoras – apesar de algumas experiências interessantes no passado mais distante e no presente-, então os jornais e revistas se tornaram os meios ideais de se divulgar a produção local”, explica o jornalista e um dos editores do Cândido, Luiz Rebinski. “E tem sido assim desde que o Paraná se emancipou politicamente, no século 19. Os simbolistas criaram várias revistas, Dalton Trevisan surgiu com a Joaquim, nos anos 1980 o Nicolau e outros periódicos apareceram. O Cândido é herdeiro dessa tradição e tenta, na medida do possível, resgatar essa história editorial da cidade e do Paraná, porque essa também é a história da nossa literatura.”
Mas não para por aí – já passaram pelas páginas do Cândido, assinando textos, respondendo entrevistas ou sendo tema de ensaios e reportagens, os principais nomes das letras nacionais: Sérgio Sant’Anna, Elvira Vigna, Manoel de Barros, Luiz Vilela, João Gilberto Noll, Ferreira Gullar, Ignácio de Loyola Brandão. E muitos outros.
“Claro, existe vida inteligente para além de São José dos Pinhais”, brinca Rebinski. “Em um mundo todo conectado, não é possível que o jornal se feche para autores e temas de fora. O Brasil nunca teve tanta gente escrevendo e publicando quanto hoje. Buscamos, de alguma forma, a cada edição, refletir essa variedade da literatura contemporânea, seja nos inéditos ou nas fontes das reportagens.”
O Cândido tem uma tiragem de 10 mil exemplares, e é distribuído gratuitamente em todas as bibliotecas públicas e escolas de ensino médio do Paraná. A Biblioteca também envia o jornal para escritores, críticos, jornalistas e leitores de todo o Brasil, e todo o conteúdo está à disposição na web (candido.bpp.pr.gov.br)
Impresso num formato quadrado característico, ele guarda parentesco com outros veículos de literatura ligados a governos estaduais, como o Suplemento Pernambuco e o Suplemento Literário de Minas Gerais.
O selo Biblioteca Paraná vai lançar, ainda em agosto, um volume que reúne 30 ilustrações de escritores feitas por ilustradores brasileiros para a seção “Retrato de um Artista” do jornal.
O diretor da Biblioteca Pública do Paraná, Rogério Pereira, explica que o Cândido nasceu integrado a um projeto de revitalização da instituição que iniciou desde que ele assumiu o cargo, em 2011. “A ideia é fazer uma biblioteca moderna, que não seja só um lugar de estudo mas também de convivência e de eventos culturais, e o Cândido fortalece esse conceito”, diz. Ele ressalta que a permanência do jornal, que sobreviveu às crises econômicas e políticas, e a uma mudança de secretário de Cultura no Paraná, também foi importante. “A imprensa tradicional teve que se adequar aos novos tempos e o espaço para discutir literatura acabou migrando para outras frentes.”
Coordenador do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Paraná, ele se considera otimista em relações a políticas públicas de leitura no País. “Há muito espaço para frente e também para trás, e às vezes é um jogo de tabuleiro, vai e volta”, compara. “Conseguimos desenvolver projetos. A biblioteca tem que ser importante para as pessoas, um espaço agradável. O Cândido ajuda a abrir uma porta para a Biblioteca.” E conclui: “conseguir fazer um jornal com qualidade mostra para o governo e para nós mesmos que é possível desenvolver projetos de longo prazo, fazer coisas legais”.