Panelas vazias
Carestia chega ao interior do Nordeste e acaba festa da comida farta na mesa
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Vindo do Agreste pernambucano, onde fui passar o Carnaval esticado com um feriadão decretado pela governadora Raquel Lyra, dei uma parada, já a meio caminho do litoral, em Palmares, cidadezinha bucólica encravada na zona da mata pernambucana. Ali as tardes ainda guardam um certo ar de nostalgia. O coreto da praça, meio descascado pelo tempo, servia de palco para a bandinha municipal, que, apesar dos instrumentos surrados, insistia em tocar clássicos que ecoavam pelas ruelas próximas.
Na tarde abafada do domingo, 9, entre um dobrado e outro, Maria Bernadete e sua vizinha Antônia do Preto, duas matriarcas que há décadas observam o tempo passar sentadas no mesmo banco da praça, começaram a cantar, num repente espontâneo, os versos de um velho sucesso nacional:
“De que me vale um saco cheio de dinheiro, pra comprar um quilo de feijão…”
As vozes das duas, carregadas de emoção e resiliência, não tardaram a chamar a atenção dos outros presentes. Alguns sorriram, outros balançaram a cabeça em concordância. Era um desabafo em forma de melodia. As duas sabiam bem o que diziam. O feijão, que já fora item básico na mesa do trabalhador, agora parecia um luxo inacessível.
Antônia suspirou fundo e abanou o rosto com um leque de propaganda política já desbotado. “Lula prometeu mesa farta, mas olha aí, Bernadete, só tá sobrando osso e salsicha cara. Quem segura um lar desse jeito?”
Bernadete, com seu jeito arisco, não deixou barato: “Meu filho trabalha de sol a sol e no fim do mês o salário dele não compra nem a feira de antigamente. As gôndolas do mercado tão cheias, mas cheias de preço alto!”
O padeiro Zé de Mariquinha, que passava com um saco de pães murchos debaixo do braço, entrou na conversa: “Antigamente, pobre comprava pão francês e ainda levava um docinho pro filho. Agora, tá todo mundo comendo cuscuz seco e torcendo pra durar até a janta.”
Fiz um lanche rápido próximo à feira da cidade, montada, como de costume, no meio da rua. A bandinha seguiu tocando sua música melancólica. O trombone desafinado parecia chorar junto com o povo. E na praça de Palmares, entre lamentos e lembranças, a dura realidade da carestia se fez melodia, numa canção que nenhum governo parecia disposto a escutar.
