Procurando outro/a
Carlos e Priscila descobrem que nunca é tarde para recomeçar
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Carlos acordou ao lado de Priscila. Era a primeira vez que dormiam juntos. Teve, no passado, o coração maltratado e triste, e nem podia acreditar que, mais uma vez, dava-se a chance de ser feliz, de confiar, ser vulnerável diante de alguém. Olhava encantado para aquele ser deitado próximo de si. Os braços, os cabelos, os olhos fechados. E uma coisa impressionou-o mais ainda. O nariz. Como era lindo o narizinho de Priscila. Ficou ali, imaginando quantas gerações devem haver passado, quantos antepassados se amalgamado por séculos e séculos, para que resultasse naquela mulher de 1,62m de altura, com uma bela face e aquele absolutamente perfeito nariz.
Ela acordou, ainda sonolenta e meio sem jeito. Pressentira que Carlos a observava. Abraçaram-se em silêncio. Era sábado de manhã. Sentiram, de uma forma deliciosa e empolgante, que, dali em diante, estariam na vida um do outro.
Era cedo. Passou pela cabeça de Priscila, completamente entregue aos braços de Carlos, entre o sono e a vigília, que o novo, o desconhecido era sempre um risco. No entanto, ainda que fosse precipitado, imaginou como seria apresentar Carlos para seus pais e os outros membros de sua família. E ela, seria aceita no meio daqueles que eram caros para Carlos? Sentia um misto de insegurança e conforto, que não conseguia explicar.
Resolveram levantar, cada um tomou um banho e puseram-se a planejar o dia. Ficariam juntos o final de semana inteiro, queriam se conhecer e aproveitar cada minuto.
Durante o caminho até uma padaria próxima onde tomariam o café da manhã, foram conversando assuntos aleatórios e, frequentemente, olhavam-se, rindo como bobos e apaixonados. Carlos pensava aonde estava Priscila até outro dia, na imensa cidade. E ocorreu-lhe que, se a houvesse encontrado antes, haveria de se poupar de muito sofrimento. Porque Priscila parecia diferente de todas as mulheres que conhecera, de todas as experiências que tivera.
Priscila, por sua vez, torcia para que aquele encontro, que parecia um sonho, perdurasse, e que Carlos fosse sempre daquele jeito, cavalheiro, gentil, amável e protetor. Não haveria de se enganar desta vez, e as palavras bonitas que ouvira na noite anterior seriam confirmadas com atitudes no futuro.
Estavam acelerando, sim, mas os momentos tornaram-se mágicos desde que haviam se conhecido.
Sentaram-se à mesa e pediram cada qual o que lhe apetecia para o desjejum. Até que o tema veio à conversa:
– Como eu gostaria de ter te conhecido antes! Você é maravilhosa.
– Para com isso, a gente mal se conheceu ainda.
E cada palavra era um misto de total honestidade, mas também receio de avançar algum sinal, ou trazer ao outro qualquer desconforto. Os relacionamentos andavam tão difíceis ultimamente… Pensando bem, os amigos em volta que ainda estavam solteiros contavam horrores sobre as recentes tentativas de encontrarem um par. As reclamações partiam de lado a lado.
– As mulheres não querem nada sério ultimamente, reclamava a Carlos um amigo de muitos anos. E completava contando da moça com quem viajara, se relacionara um tempo, apresentara à família e até ao seu filho de 5 anos, ao qual tinha muito receio de magoar. Depois de um breve namoro, a troco de nada, ela se desinteressara e terminara com ele por mensagem.
– Não dá mais para confiar em macho, admoestava a melhor amiga de Priscila, acrescentando: tanto mascarado que trata a gente como princesa e, depois que a gente dá o que eles querem, mudam completamente. E sequer pagam a conta do restaurante.
Muitos passando por experiências complicadas e eles ali, querendo desde já se declararem, sonhando que seria para sempre. Mas sem nenhuma coragem para admitir.
Haveria, ainda, amores à primeira vista? Aquela vontade espontânea de um devotamento profundo a partir do primeiro encontro de olhares? Histórias de romances antigos poderiam ser de verdade?
Eram justamente essas dúvidas que assaltavam a ambos, enquanto conversavam amenidades entre sucos de laranja e xícaras de café com leite, acompanhados de frutas, frios e um delicioso pão.
Quem dera todos os dias fossem iguais àquele, com cheiro de paixão e recomeço. Disposição para fazer tudo dar certo.
Definitivamente, era cedo para falar em namoro. Mas, mesmo que jamais admitissem, ambos já sonhavam até com casamento.
– E a gente vai contar para as pessoas que se conheceu num aplicativo de paquera?, indagou Priscila.
Carlos riu, achando divertida aquela insegurança.
– O que é que tem?
– Ah, sei lá, eu ainda não me acostumei com a ideia. Só instalei o app por insistência de minhas amigas. Do contrário, como é que eu conheceria gente nova? Minha vida é de casa para o trabalho, e até as pessoas com quem saio para me divertir são colegas.
– Tudo bem, não tem problema. A gente faz de conta que se conheceu numa galeria de arte.
– Ou num leilão de antiguidades?
– Num curso de filosofia!
– Ou na aula de yoga…
Ambos riram. Yoga? Não era bem o perfil de Carlos, tampouco de Priscila. Preferiam crossfit.
Não importava. A vida de ambos se cruzara, ainda que naquela inusitada circunstância. Semanas antes, nenhum deles levava a sério o tal aplicativo, pensando que nada de bom surgiria dali. Naquele momento, ambos tinham certeza absoluta de estarem diante de um novo amor, maduro e confiável. Ainda que houvesse algum caminho a percorrer.
Semanas depois, compareceram juntos a um churrasco, na casa de uns primos de Priscila, que apresentou, pela primeira vez aos parentes, seu novo namorado. Carlos ficou surpreso, pois não sabia que já tinha aquele título. Divertido e falante, logo os parentes da moça ficaram curiosos sobre ele, e perguntaram como o casal havia se conhecido.
– No pet shop, onde eu dou banho no cachorro.
– Mas Priscila nem tem cachorro!
– Sem problema, o que é meu, é dela.
Carlos deixou aquele evento familiar com uma sensação boa de leveza e pertencimento. Logo ele que antes se sentia tão sozinho e até meio isolado no mundo.
Priscila, encantada com a forma com que Carlos tratara seus parentes, derramou-se em carinhos.
E seguiram os dois, felizes e apaixonados, até que conversas adiadas, pequenas discordâncias e pouco tempo de qualidade passado juntos, lembraram a ambos que Schopenhauer tinha razão, e a vida é uma constante oscilação entre a ânsia de ter e o tédio de possuir.
Poucos dias após Priscila terminar laconicamente com Carlos, ambos já selecionavam, no telefone celular, novas fotos para, uma vez mais, preencherem o perfil no aplicativo de paquera. Versão premium.
Nunca é tarde para recomeçar.
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Daniel Marchi é autor de A Verdade nos Seres, livro de poemas que pode ser adquirido diretamente através do e-mail danielmarchiadv@gmail.com
