Notibras

Carta-bomba a Lira desmascara golpe contra os sem-terra

Chico Buarque abriu os olhos da sociedade brasileira ao escrever Funeral de um Lavrador, inspirado na obra Morte e Vida Severina, poema do pernambucano João Cabral de Melo Neto, composto entre 1954/55. Na mesma década, seu conterrâneo Luiz Gonzaga gravou Vozes da Seca: Seu doutô os nordestino/Têm muita gratidão/Pelo auxílio dos sulista/ Nessa seca do sertão/Mas doutô uma esmola/A um homem qui é são/Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão/É por isso que pidimo proteção a vosmicê/Home pur nóis escuído para as rédias do pudê (…).

De lá para cá, em números redondos, João Cabral, Chico Buarque e Gonzagão apresentaram a crua aridez da terra e as injustiças contra o povo do campo. Enquanto os dois primeiros retratam o enterro de um trabalhador rural assassinado a mando de latifundiários, o Rei do Baião diz que o nordestino morre de sede e fome. Na melhor das hipóteses, foram três gerações de perseguições que continuam neste Brasil continental.

Em janeiro de 1984, quando a ditadura militar dava os últimos suspiros de um regime que aprofundou as desigualdades sociais no país, os trabalhadores rurais, reunidos no Paraná, decidiram criar o seu MST. Os camponeses já não tinham lágrimas para chorar a morte de mais um sem-terra.

Chicou Buarque, então, já havia soltado o verbo. Foi em 1967: Esta cova em que estás com palmos medida/É a conta menor que tiraste em vida/É de bom tamanho nem largo nem fundo/É a parte que te cabe deste latifúndio/Não é cova grande, é cova medida (…)

A semente, plantada, brotou e espalhou frutos. Hoje, o Movimento Sem Terra está organizado em 24 estados nas cinco regiões do país. São cerca de 450 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e organização dos trabalhadores rurais. São uma corrente social, de massas, autônoma, que procura articular e organizar os trabalhadores rurais e a sociedade para conquistar a reforma agrária e um projeto popular para o Brasil.

Mas, como somos um país notadamente de reacionários, sempre há aqueles que se alvoroçam em atribuir ao MST a pecha de guerrilha rural. E o agronegócio, que prefere ver um sem-terra a sete palmos de fundura para fertilizar suas plantações, criou na Câmara dos Deputados, com o cheiro de sangue que pode manchar ainda mais a história do País, uma Comissão Parlamentar de Inquérito para literalmente incendiar o campo.

Cansados dessa exploração contínua, um grupo de notáveis da sociedade civil dirigiu carta ao presidente da Câmara Arthur Lira (PP), alertando para as graves consequências de uma CPI tentar criminalizar os sem-terra. “Estamos muito preocupados com os rumos que a CPI contra o MST está tomando, através das declarações de parlamentares ruralistas, da oposição e da realização das (conturbadas) sessões, dizem os signatários.

Vale, aqui, destacar trechos da missiva:

1. Há uma clara intencionalidade de criminalizar o MST, os movimentos do campo e também movimentos de luta pela moradia na cidade. A constituição brasileira garante o legítimo direito de organização de todas as categorias de trabalhadores e da realização de diferentes formas de mobilização na luta por seus direitos históricos.

2. Está consolidado na nossa jurisprudência de que ocupação realizada por movimentos populares de forma coletiva, não se constituem em esbulho possessório, mas sim visam pressionar as autoridades a aplicarem a lei, e resolverem os ditames constitucionais de garantir terra para quem nela trabalha, moradia digna e trabalho.

3. A realidade agrária, a estrutura de propriedade injusta, certamente não serão objeto de pesquisa e análise pela CPI, por seu plano de trabalho. E todos sabemos quantos crimes são cometidos no meio rural, pelas classes abastadas e as formas de exploração da natureza, que afetam toda sociedade brasileira.

4. Basta lembrar a propagação de crimes ambientais, como desmatamentos e queimadas em todos os biomas, que causam mudanças climáticas atingindo toda população brasileira e inclusive de todo continente!

5. Crimes relacionados com trabalho escravo, no meio rural e até em trabalhos urbanos e domésticos.

6. Crimes relacionados com a invasão de terras públicas e de áreas indígenas e de quilombolas, com objetivo de roubar madeira, fazer mineração ilegal e se apropriar de bens da natureza que são bens comuns de toda sociedade.

7. Crimes relacionados com uso abusivo de agrotóxicos, que matam a biodiversidade, contaminam as águas subterrâneas, nascentes e rios. E afetam a saúde pública com a comprovada ocorrência do câncer causado pelo Glifosato.

8. Crimes praticados contra as pessoas, nas dezenas de assassinatos de trabalhadores, povos indígenas e seus apoiadores, que vem ocorrendo historicamente, e fartamente registrados e denunciados pela Comissão Pastoral da Terra e que, em sua grande maioria, seguem impunes.

9. Testemunhamos o esforço do MST e de outros movimentos populares no campo, para desenvolverem a reforma agrária popular, que atende aos interesses de todo povo brasileiro.

10. A reforma agrária é uma necessidade determinada por nossa constituição para desapropriação das grandes propriedades improdutivas como manda a constituição, garantindo a democratização da propriedade da terra e oportunidade de trabalho para todas as famílias.

11. Mas agora, tem também outros princípios paradigmáticos, como a necessidade de defender a natureza, proteger as florestas, garantir o desmatamento zero!

12. A reforma agrária agora visa como principal atividade a produção de alimentos saudáveis, para todo povo, que para tanto exigem a adoção da agroecologia.

13. O MST defende a industrialização de nosso país, difundindo e adotando a agroindústria cooperativa, como forma de beneficiar os alimentos e conservá-los para abastecer as populações urbanas. A agroindústria permite também a inclusão do trabalho das mulheres e da juventude que estão no campo.

14. Defende a mecanização da agricultura familiar, como forma de elevar a produtividade do trabalho, das áreas e contribuir para a reindustrialização do país.

15. Defende o acesso à educação em todos os níveis até o ensino superior, que é viabilizado pelo programa PRONERA, que adota o sistema de alternância, como facilitador do acesso dos jovens que vivem no campo, sem a necessidade de emigrarem.

16. Defende nossa cultura e culinária brasileira, como parte da sociabilidade e do bem viver de nossa população.

17. Esse programa é um programa de desenvolvimento necessário, que todo povo brasileiro precisa.

18. Por tudo isso, manifestamos nossa preocupação com os rumos da CPI e esperamos que vossas excelências zelem pelos princípios republicanos e democráticos, para que se impeça atropelos e uso de retóricas de propagação de mentiras, do ódio, da violência e da discriminação e perseguições inúteis, que em nada contribuem para a solução dos verdadeiros problemas agrários.

19. Somos solidários com o MST porque, em seus 40 anos de atuação, tem contribuído para o combate à pobreza, a desigualdade social e para a melhoria das condições de vida de nosso povo.

Assinam:

Afonsinho
MÉDICO E EX-JOGADOR DE FUTEBOL
Ariovaldo Ramos
PASTOR EVANGÉLICO
Carol Proner
JURISTA E PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
Célia Gonçalves
MAKOTA DO POVO DE TERREIROS, DO CENARAB
Chico Buarque
ESCRITOR E MÚSICO
Eduardo Moreira
ECONOMISTA
Fernando Morais
ESCRITOR
Frei Betto
ESCRITOR E ASSESSOR DE MOVIMENTOS POPULARES
Jacques Alfonsin
JURISTA
José Seabra
JORNALISTA – Diretor de Notibras.com
José Trajano
COMENTARISTA ESPORTIVO
Kenarik Boujikian
DESEMBARGADORA APOSENTADA TJSP, COFUNDADORA DA AJD E ABJD
Heloisa Fernandes
PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
Maria Luiza Busse
JORNALISTA, DIRETORA DE CULTURA DA ABI
Pedro Serrano
ESCRITOR
Eduardo Martínez
JURISTA E PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
Romi Bencke
(…) e outras centenas de signatários.

Sair da versão mobile