Bernardo, apaixonado por filmes de pirata desde a mais tenra idade, era encantado por tatuagens. Tinha aos montes, a despeito das broncas da mãe, que achava aquilo coisa de vagabundo. O pai, apesar de ter a mesma opinião da esposa, preferia guardá-la para si, pois sabia que o desgaste, além de estressante, era inútil.
Aos 33 conheceu Juliana, pouco mais jovem, muito mais vivida. A mulher havia viajado o mundo às custas do tarô, jogado em todas a línguas, que, por ventura, aprendera. A atração foi tão intensa, que prometeram fidelidade até onde fosse possível. Não que fossem volúveis, mas a poliglota sabia que não era das que costumam deixar a âncora presa por muito tempo no fundo do mar. Quanto ao Bernardo, já era bem grandinho para saber como é que as coisas funcionam nessas paixões de verão.
Ele, ciente da brevidade daquele sentimento, largou as mesas dos bares depois do trabalho. Os amigos poderiam muito bem esperar, pois Bernardo estava envolvido no inebriante perfume dos lençóis de Juliana. Com as narinas bem abertas, o homem queria desfrutar cada instante daquele aroma. Quanto a ela, sabia escolher com quem se deitar. Talvez por conta das cartas, que contavam todos os segredos que a mulher desejava saber.
O casal, depois de se amar mais uma vez naquele fim de tarde, se deitou na rede na sacada, bem em frente à linda praia de Cabo Branco. Bernardo pensou em abrir um vinho tinto, mas foi dissuadido pela amada. Uma cerveja bem gelada parecia ser o mais apropriado para a ocasião,
Beberam ao som das ondas do mar. A maresia instigou o casal para mais uma rodada de amor, ali mesmo na rede. O receito daquilo arrebentar e os dois caírem no chão não foi o suficiente para impedi-los. Amaram-se e adormeceram embolados, embriagados de paixão.
Acordaram pela manhã. Bernardo foi preparar o café, enquanto Juliana tentava aproveitar mais um pouco o conforto de continuar deitada. Não resistiu ao cheirinho vindo do bule e, não demorou, sorriu enquanto levava a xícara aos lábios. Com certeza não era o melhor café do mundo, mas era tudo o que ela precisava naquele momento.
Juliana se levantou, foi até a cômoda ao lado. Pegou o baralho e voltou para a mesa. Bernardo, até então, desconhecia aquelas cartas cheias de gravuras. Ela disse que era tarô. Ele já tinha ouvido falar. Algo sobre adivinhação ou sei lá o quê, mas Juliana o corrigiu a tempo. Bernardo ficou tão interessado, que a namorada decidiu jogar as cartas para ele.
Ela embaralhou bem o monte de cartas, enquanto Bernardo decidia o que desejava saber. O homem pensou, pensou, pensou. Várias coisas vieram àquela mente anuviada. Escolheu a que mais lhe despertava curiosidade. Juliana olhou o amado e, finalmente, revelou a carta.
– Que carta é essa?
– É o Pendurado. Também conhecido como o Enforcado.
– E o que isso significa?
– Olhe o mundo sob novas perspectivas. Quando fixamos os olhos por muito tempo sobre algo, acabamos nos cegando pela própria capacidade de sempre enxergar a mesma coisa, sem nos darmos conta do que está ao redor.
Aquele verão durou pouco menos para Bernardo, que viu as lindas curvas daquela mulher subirem a rampa do enorme navio. O destino daquele monte de ferro era seguir a costa brasileira até o Rio Grande do Sul. Quanto à Juliana, aquilo era muito pouco para ela.
Não se sabe ao certo se os dois voltaram a se encontrar, mas dizem que trocaram cartas por algum tempo. O certo mesmo é que Bernardo, de tão impressionado, acabou por fazer uma nova tatuagem, que fez sua mãe revirar os olhos de repulsa. Ela, talvez, não tenha entendido o significado daquela figura pendurada por um dos pés.