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Cartório não é pra deixar ao Deus dará

Dos oito aos oitenta, todos conhecemos a história do joio e do trigo, do cesto das maçãs podres (com ao menos uma saudável), da raposa tomando conta do galinheiro e do lobo que faz as vezes de pastor cuidando as ovelhas.

Fábula, conto, mito ou versículo bíblico, o certo é que no universo daqueles que trabalham sob o manto de Têmis, tem um pouco de tudo isso. E os cartórios, apêndice do Judiciário, não são uma exceção.

Há muita coisa errada. E cartório não deve continuar vivendo ao Deus dará, com Estados criando leis que possibilitam ao servidor público escolher entre o cargo para o qual prestou concurso público e a função pública de notário e registrador.

Dentre esses, o Estado da Bahia criou a Lei n. 12.352, de 8 de setembro de 2011, permitindo ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público específico (art. 236, § 3º, da CRFB c/c art. 1º, caput, da Resolução CNJ n. 80/2009), em cargo e função que não integrava a carreira anteriormente investida (direito de opção), após a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988.

O caso foi amplamente discutido no Conselho Nacional de Justiça, principalmente nos pedidos de providências n. 0009253-12.2018.2.00.0000 e 0009438-50.2018.2.00.0000, onde a Associação Baiana dos Notários e Registradores pediu tratamento igualitário ao que foi conferido aos escrivães do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, nos autos do processo n. 0010702.05.2018.2.00.000.

Comparando a legislação do Estado da Bahia com a legislação do Estado de Sergipe, há pontos de convergência entre elas:

LEI DO ESTADO DA BAHIA N. 12.352, DE 08 DE SETEMBRO DE 2011:
Art. 2º. É facultada aos servidores legalmente investidos na titularidade das serventias oficializadas a opção de migrar para a prestação do serviço notarial ou de registro em caráter privado, na modalidade de delegação instituída por esta Lei.

§ 1º. Os notários e registradores das serventias oficializadas, caso não optem pela condição de delegatários, permanecerão regidos pelas normas aplicáveis aos servidores públicos, sendo-lhes assegurados todos os direitos adquiridos, hipótese em que ficarão à disposição do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia que lhes designará função compatível com aquela para a qual prestaram concurso público.

LEI COMPLENTAR DO ESTADO DE SERGIPE n. 31, DE 26 DE DEZEMBRO DE 1996:
Art. 1º – § 1º – O servidor titular de qualquer desses cargos poder optar pelo regime oficializado de foro, desde que o faça no prazo de 02 (dois) meses, contados a partir da publicação desta Lei.

§ 2º – A opção pelo regime oficializado de foro de que trata o § 1º deste artigo implica, automaticamente, renúncia à percepção de custas e emolumentos a que fazem jus, até então, esses serventuários.

Em Sergipe, o Tribunal editou além da Lei Complementar Estadual n. 31/1996, também, a Lei Complementar Estadual n. 193, de 22 de novembro de 2010, reiterando o direito dos servidores do TJSE optarem pela atividade notarial e registral sem concurso público específico:

Art. 24. […] § 2º. Os notários e registradores que ainda cumulam a responsabilidade pelo processamento de feitos judiciais deverão optar entre a permanência exclusiva no cargo público judicial ou a delegação da serventia extrajudicial, no prazo improrrogável de 15 (quinze) dias a partir da publicação desta lei.

Paralelo ao que se discutia no Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria-Geral da República ajuizou a ação direta de inconstitucionalidade n. 4851, com pedido de liminar, contra dispositivos da Lei 12.352/11, do Estado da Bahia. Conforme a PGR, a norma questionada possibilita “aos servidores do Poder Judiciário baiano a delegação de serviços notariais e de registro sem o necessário concurso público de provas e títulos”.

De acordo com a Procuradoria-Geral da República, os serviços notariais e registrais são públicos, e somente, com a Lei estadual nº 12.352/11, as serventias extrajudiciais passaram para o regime privado.

Com a tramitação da ADI 4851, a ministra Carmen Lúcia fez cumprir a Constituição Federal e os princípios da igualdade perante a lei e na lei, da moralidade, da impessoalidade, do acesso universal aos cargos e funções públicas e proferiu voto pela inconstitucionalidade do direito de opção. Apontou a ministra em seu voto:

“A distribuição de serventias vagas após 5.10.1988, mesmo que por concurso de provas, restrita a servidores do quadro do Poder Judiciário baiano é inconstitucional, contrariando não apenas a exigência do concurso específico de provas e títulos, franqueado a todo os cidadãos, mas o regime jurídico previsto no parágrafo 3º do artigo 236 da Constituição da República”.

Na mesma situação da Bahia, estão os escrivães do Tribunal de Justiça de Sergipe ,que não prestaram concurso específico para notários e registradores e sim para os cargos de escrivão, oficial de justiça e 2º distribuidor. A diferença é que o Conselho Nacional de Justiça julgou válido o direito de opção de alguns escrivães de Sergipe e inconstitucional idêntico direito aos servidores do TJBA.

Os casos foram tratados nos pedidos de providencias 0009253-12.2018.2.00.0000, 0009438-50.2018.2.00.0000, 0010702.05.2018.2.00.000 e 0006415.33.2017.2.00.0000. Agora, a decisão do Conselho Nacional de Justiça do Estado de Sergipe deve ser estendida aos demais Tribunais de Justiça, face ao principio republicano da igualdade perante a lei e na lei. Nesse sentido, a Associação Baiana de Notários e Registradores (ABNR) vem trabalhando a questão e pedindo tratamento igualitário.

 

 

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