Melissa Diniz
A notícia do menino japonês Yamato Tanooka, de sete anos, que foi deixado pelos pais à beira da estrada após se comportar mal dentro do carro, ficando sete dias perdido em uma floresta, levantou a discussão sobre os limites do castigo.
No outro extremo da punição rigorosa adotada pelos pais de Yamato estão os que adotam um comportamento permissivo diante dos erros dos filhos, livrando-os da responsabilidade pelos atos cometidos.
Nessa linha, dois outros casos chamaram atenção recentemente. A tentativa do pai de MC Biel de dizer que o assédio do filho a uma repórter foi apenas uma brincadeira, e a fala de outro pai, dessa vez americano, de que o filho não deveria ser punido por um “ato de 20 minutos”, referindo-se ao fato de o rapaz ter estuprado uma jovem inconsciente.
Se a rigidez dos pais japoneses assusta, a dificuldade de impor limites dos outros dois também pode comprometer o desenvolvimento saudável da criança e do adolescente. De que maneira, então, deve-se educar um filho?
Para a psicóloga Vera Zimmermann, coordenadora do Cria (Centro de Referência de Infância e Adolescência) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), antes de se falar em limites, é preciso falar de valores.
“Os pais precisam refletir sobre que tipo de ser humano gostariam que o filho fosse. Tirando influências genéticas e ambientais, que são variáveis, a definição de valores pode ser um eixo organizador dos limites na educação”, declara Vera.
Segundo a especialista, pais que desejam que o filho seja uma pessoa valorizada e querida em seu meio social, por exemplo, precisam garantir que ele vivencie, desde bebê, relações amorosas em família, que seja conduzido a respeitar o próximo. Que aprenda a se colocar no lugar do outro desde pequeno e participe de tarefas da rotina familiar.
“Em uma educação pautada nesses valores, os limites podem funcionar com os exemplos da família e também com sanções, que vão sendo colocadas aos poucos, como não permitir que a criança bata nos pais, que os ofenda com palavras grosseiras ou que maltrate animais e plantas.”
Em cada fase, uma atitude – Para funcionarem, as sanções ou limites precisam estar adequadas à fase do desenvolvimento em que a criança se encontra, afirma a psicóloga Elizabeth Monteiro, autora de seis livros, entre os quais “Criando Filhos em Tempos Difíceis” (Summus Editorial).
“Até os cinco anos, a criança não entende o significado moral da palavra não. Sua compreensão do mundo se dá a partir de experiências concretas. Somente a partir dos seis anos, ela vai começar a compreender o que não pode fazer.”
Segundo Elizabeth, é comum que a criança pequena seja oposicionista e busque contradizer os pais a todo momento. “Dizer muitos ‘nãos’ para essa criança não adianta, e, em geral, os pais acabam sendo vencidos pelo cansaço. O ideal é mudar o foco. Em vez de gritar ‘saia da janela’ mil vezes, é melhor ir até lá, pegar a criança e tirá-la do lugar, convidando-a a fazer outra atividade.”
Para a especialista, outro equívoco comum é colocar a criança pequena para pensar sobre o que fez. “Ela ainda não tem capacidade de refletir ou elaborar o erro. Vai ficar brincando ou dormindo. Além disso, promove a ideia de que pensar é um castigo, o que é péssimo.”
Para aquelas que já compreendem, a psicóloga aconselha dizer “não” com firmeza, olhando nos olhos, e sempre explicando por qual razão ela não poder fazer aquilo. “Às vezes, se os argumentos não convencem, é importante mostrar-se incomodado, deixando claro que esse é um motivo para ela parar.”
Mas atenção, firmeza não significa agressividade ou desrespeito. “É preciso ser delicado. Pais que desrespeitam os filhos também são desrespeitados por eles. A gente educa pelo modelo, não pelas palavras”, diz Elizabeth.
Se apenas os bons exemplos não são suficientes para coibir atitudes negativas dos filhos, é preciso haver punição, ou seja, castigo. Mas, apesar do peso palavra, trata-se de uma medida educativa que não pode ser confundida com violência física ou psicológica. “Uma boa opção é retirar algo que seja importante para a criança”, diz Vera.
Outra possibilidade é condicionar o momento de lazer, o uso da internet ou a televisão à execução de alguma tarefa, como fez o operador de turismo Paulo Machado, que deixou um bilhete para a filha Catarina dizendo que apenas liberaria a senha do Wi-Fi se ela cooperasse nos afazeres domésticos. Publicado no Facebook, o recado do pai viralizou e conquistou a simpatia de muitos.
“Foi uma atitude muito criativa e funcionou. A ideia é tirar o que estiver atrapalhando e só permitir seu uso quando o problema for resolvido”, fala Elizabeth. Para ela, os pais devem tomar cuidado com barganhas, evitando utilizar dinheiro. “Ao pagar por uma tarefa, o pai ensina que o dinheiro compra tudo. É preciso pontuar que existem obrigações a serem cumpridas.”
Outro erro comum é recompensar com comida, principalmente doces, pois pode levar à criança a desenvolver algum tipo de distúrbio alimentar. “Também não funciona fazer ameaças que a criança sabe que os pais não vão cumprir. Perde-se assim a autoridade.”
Diálogo sim, palmada não – À medida que o filho cresce, o diálogo ganha importância no relacionamento com os pais. As orientações precisam ser dadas com segurança. “Quando os pais acreditam naquilo que estão falando, o filho obedece. Aqueles que copiam os outros e vivem em busca de novas fórmulas não acreditam nos seus próprios valores e não conseguem educar bem seus filhos”, afirma Elizabeth.
Muito importante, portanto, que haja coerência nas atitudes do pai e da mãe. “Se um coloca limites e o outro retira, não funciona”, diz a psicóloga.
Punições físicas e violência emocional nunca devem ser utilizadas. “Palmada nunca, jamais, isso apenas ensina que a violência é uma forma de coerção. Em um momento de estresse, tanto a criança quanto os pais devem se acalmar primeiro. Muitos extrapolam ao agir pela emoção”, declara Elizabeth.
Para Vera, os castigos corporais não funcionam como transmissão de valores humanos e, portanto, não educam.
Elizabeth afirma que punições excessivas, como a que foi dada ao garoto japonês, deixam sequelas para toda a vida e podem causar problemas sérios, como fobias, transtornos psíquicos e sociais. “Ser ameaçado por quem deveria protegê-la distorce a visão de mundo da criança, ela passa a não confiar mais em ninguém.”