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Validade eterna

Castigo ao herege do prego de portuga no Rio veio na melhor forma de praga

Publicado

Autor/Imagem:
Wenceslau Araújo - Foto de Arquivo

Semana Santa é o período da sinfonia silenciosa, época em que as estrelas dançam em harmonia, a paz deve reinar e o céu parece o limite para um punhado de pessoas. Na verdade, é um convite para os que nunca desistem de sonhar acordados. Talvez ele seja ilimitado para os que dispõe de asas bem fortes para voar até lá. Para os que não têm, o melhor caminho é sonhar. Nesse caso (o meu caso), o céu não é o limite. Para muitos, além de inspiração, a força e o que se esconde na imensidão do azul celeste servem como fonte de negócios nem sempre auspiciosos, motes para poesias memoráveis, piadas engraçadas, mas profanas, e escritos que nem sempre refletem a realidade ou a vontade do autor.

Para o português Esperidião Amintas Garcia, amigo de infância do meu avô, Aristarco Pederneira, o que está no céu foi o que ele precisava para alavancar seu negócio. Dono de uma loja de ferragens em Trás os Montes, interior da Terra Mãe, Garcia, o herege, decidiu abrir uma filial no distante subúrbio do Rio de Janeiro, onde se dedicaria prioritariamente à venda de pregos. Informado por meu avô sobre a necessidade de uma boa propaganda, espalhou faixas e cartazes pelo bairro com a figura de Jesus Cristo pregado na cruz e a seguinte mensagem: “Pregos Garcia – Mais de 2.000 anos de garantia”.

Frenesi no bairro e confusão na Igreja local. Conservador extremado, padre Severino Nazário chamou o português para um imediato e reservado colóquio. Rápido, objetivo e furibundo, o pároco informou ao empresário que aquele tipo de reclame era um sacrilégio, um verdadeiro pecado mortal. Recado dado, recado entendido, propaganda refeita. Na manhã seguinte, em lugar das faixas e dos cartazes, Espiridião distribuiu pessoalmente centenas de panfletos e folders. Diagramação perfeita e foto colorida sem retoques. Mais uma vez, o problema foi o danado do texto.

Nos papelinhos estava novamente a figura de Cristo estampada. A diferença é que dessa vez a imagem tinha somente uma das mãos pregadas à cruz. Solta, a outra sugeria acenos aos receptores, também conhecidos por clientes. Na parte inferior estava escrito: “Adivinhe em qual mão foi usado o prego Garcia?”. Novo entrevero e nova convocação do sacerdote local. A segunda reunião ocorreu na presença do bispo regional. Possesso, padre Severino repetiu a ladainha e deu ordem para que todo material distribuído fosse recolhido com a máxima urgência.

Antes da refrega final, o representante do papa Francisco informou que os panfletos eram coisas de herege e que a figura de Jesus Cristo não deve ser usada como personagem de campanha publicitária. “Inventa outra coisa”, vociferou o prelado do catolicismo. Ordem dada, ordem a ser cumprida imediatamente. Na saída do templo, Esperidião Garcia pensou alguns segundos e anunciou em voz alta que faria um preconício (reclame em português) para ninguém botar defeito, nem mesmo o padre, o bispo, o sacristão ou o papa.

Em casa, junto da patroa e do amigo Aristarco Pederneira, Esperidião decidiu produzir um outdoor sem imagem alguma que pudesse lembrar Jesus. Dormiu para acordar com uma daquelas ideias inquestionavelmente inquestionáveis. Se assim pensou, melhor o fez. Colocou a foto da cruz vazia e no pé da página escreveu com letras garrafais: “Se o prego fosse Garcia, o moço não fugia”. Meu avô não tem notícias do amigo faz pelo menos 10 anos. Dizem os pregadores sem prego que o castigo de Garcia não veio a cavalo, mas na forma de uma praga do padre Severino. Onde quer que ele se encontre, terá de ouvir mil vezes e repetir outras mil vezes o refrão “Martela, martela, martela o martelão”, considerado uma pérola do cancioneiro popular do Brasil.

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*Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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