Edwirges Nogueira
Trajes coloridos, rostos pintados de preto, batuques e loas tomam a Avenida Domingos Olímpio durante o carnaval de Fortaleza. O tradicional desfile dos maracatus começou seguiu neste diomingo com a apresentação de oito grupos, de um total de 15. Em ritmo de batucque e com elementos das culturas africana, indígena e brasileira, o maracatu foi declarado patrimônio imaterial de Fortaleza em 2015.
O Az de Ouro é um dos que se apresentam nesta noite. Este ano, o grupo completa 80 anos de fundação e é considerado o mais antigo do carnaval de rua de Fortaleza. A loa (música) que será cantada durante o desfile reverencia os índios e os negros, dois dos elementos presentes na composição do maracatu. “Queremos resgatar um pouco das culturas indígena e negra, interligando esses dois pontos na loa”, explica Marcos Gomes, diretor de Carnaval do Az de Ouro.
Na avenida, o maracatu traz diferentes representações, como príncipes e princesas, rei e rainha, orixás, índios, baianas e africanos. Há também as figuras da calunga, uma boneca negra; do balaieiro, que carrega uma cesta de frutas na cabeça; e do casal de pretos-velhos. A maioria desfila com os rostos pintados de preto. A tinta, segundo Gomes, é feita a partir da fuligem de lamparina, misturada com vaselina e talco.
De acordo com Gomes, os dois elementos cantados e representados na avenida em 2016também servirão de base para as celebrações dos 80 anos do maracatu, que será o tema desenvolvido no carnaval de 2017. Ele disse que o Az de Ouro pretende narrar a evolução do grupo ao longo desses 80 anos.
Influência pernambucana – No livro Maracatu Az de Ouro: 70 anos de memórias, loas e batuques, publicado em 2007, o cantor, compositor e pesquisador Pingo de Fortaleza informa que o grupo foi criado por Raimundo Alves Feitosa a partir da influência das cambindas pernambucanas, especialmente da Dois de Ouro. Nos anos 1930, conta Pingo, integrantes desses grupos já saiam às ruas com os rostos pintados de preto.
Na evolução do Az de Ouro, Pingo de Fortaleza destaca a agregação de elementos do carnaval carioca, a exemplo da competição e das fantasias imponentes com tecidos nobres e pedrarias. A música também passou por mudanças.
Em sua pesquisa, ele verifica que o Az de Ouro, na década de 1940, passeava por ritmos mais enérgicos, parecidos com o coco e com a batida do maracatu pernambucano. Um fato histórico, conforme o pesquisador, indica isso. Em 1942, o cineasta norte-americano Orson Welles esteve em Fortaleza e, segundo registro da imprensa local, foi recebido com um coco-maracatu interpretado por jangadeiros. Atualmente, o grupo canta suas loas acompanhados da batida solene, que ficou conhecida nacionalmente por meio da canção Pavão Mysteriozo, de Ednardo.
“O maracatu Az de Ouro é a referência para a formação de outros grupos na década de 1950 e até as décadas de 1980 e 1990, quando novos maracatus começam a surgir e a trabalhar a diversidade rítmica.” Um desses novos maracatus é o Solar, do qual o pesquisador participa.
Batuque solene – Marcos Gomes defende a continuidade do batuque solene no Az de Ouro, mas ressalta a liberdade de outros grupos de adotarem outros ritmos. “Raimundo Alves Feitosa formatou a batida lenta, como cortejo. Eu não posso fazer um cortejo acelerado porque fica esquisito. Os maracatus de Fortaleza têm livre-arbítrio para criar. Nunca foi posto que, para formar um maracatu, era preciso ir na linha do Az de Ouro.”
O Maracatu Solar, por exemplo, é um dos grupos que adotou novos ritmos e novas práticas. No desfile de ontem, o grupo reverenciou o orixá Ogum em sua loa e usou quatro ritmos de batuques. Em vez das roupas pesadas e vistosas, os integrantes usam fantasias de tecidos leves, como a viscose. O maracatu também não compete com os demais nem pinta o rosto de preto.
“Eu considero a pintura uma máscara estética. Os grupos tinham um argumento de que pintavam o rosto porque não havia negro no Ceará – uma negação histórica de uma presença consolidada. Também havia a ideia de que, como só havia homens no maracatu no passado, representando papéis tanto masculinos como femininos, eles se escondiam por meio da pintura. Nós não usamos porque resolvemos discutir a afirmação étnica do maracatu. Eu sou negro sem pintar o rosto”, defende Pingo de Fortaleza.
Agência Brasil