Sentados à mesa para receber o pão e o vinho, estão sobrando apóstolos. Não há bancos suficientes para os 24 convidados e alguns estão de pé, aguardando os mandamentos que poucos vão cumprir. A ceia está repleta de penetras e o local está mais bem retratado por Tintoretto do que por Leonardo da Vinci. Lotado. Mas a cena emociona, um ato de fé cujo ritual é reprisado a cada dois anos. Faz os eleitores chorarem.
Assim será retratada a reunião para definir os próximos mandatários do reino da Câmara Legislativa do Distrito Federal. E tem de tudo na ceia, exceto a qualidade do pão, que vem agora de um trigo transgênico e o prestígio do vinho, um recente escolhido Romanée-Conti, como manda a cartilha de boas maneiras do Palácio do Planalto da era Lula.
Não dá para perceber ainda quem está de pé e quem já está sentado à mesa. Cavalheiros, os homens até ofereceram assento para as damas que são cinco – coisas dos novos tempos –, mas que, constrangidas, preferiram ficar de pé. Menos Celina Leão, que já percebeu que se não rodar o mandamento e identificar o traidor, vão comer a sua carne e beber o seu sangue. O que para muitos observadores nem chega a ser um pecado mortal.
Ao contrário, ainda que receba uma pequena e metafórica parte da CLDF, Celina poderá ser líder do Governo. Menos uma a permanecer sentada à mesa. O seu lugar então pode ser ocupado por Joe Valle, um deputado orgânico que vai estudar a pregação após recusar tanto o pão quanto o vinho, contaminados por agrotóxicos, antes de aceitar a vice-presidência da Câmara.
O apóstolo Robério Negreiros que vive repetindo o desejo de ver cumprido o versículo 60 milhões (de reais) por parte de Agnelo Queiroz com suas empresas e que foi o segundo mais votado pelos fiéis, quer cumprir o segundo mandato de deputado distrital como presidente da Casa. Mas o problema está no seu mandamento, o PMDB, a quem Rollemberg atacou como um partido herege.
Dr. Michel, sentado agora à esquerda da mesa, também em seu segundo mandato, tem toda a razão para levar adiante o dogma de que ninguém deve oferecer a outra face, a menos que seja para levar um tiro. Como ele saca rápido, poderia ficar só na última refeição do ano.
Fica uma vaga em aberto. De preferência para quem não negar apoio três vezes e que se acredite em condições de também secretariar. Pode ser Raimundo Ribeiro, capaz de fazer as vezes de advogado, não necessariamente do Diabo.
Por fim, em sua bata branca e fala comedida, Wasny de Roure, atual presidente da Casa, vem levitando sobre o cargo de presidente, na cadeira mais alta, o que seria uma reeleição rara naquele cenário imaculado, repleto de anjos atentos e habilidosos.
Então a mesa poderia ser composta por nomes conhecidos onde não aparecem as figuras de Julio Cesar (campeão de votos e de reza), Agaciel Maia, Sandra Faraj, Chico Leite, Chico Vigilante, Rodrigo Delmasso e outros notórios apóstolos, incluindo bispos e deuses sindicais, que querem assento, mas a mesa é pequena.
Rodrigo Rollemberg terá dificuldade em não ajoelhar e rezar. Incrédulo, o governador eleito do Distrito Federal anda vasculhando sua própria consciência. No confessionário do Buriti já disse aos clérigos de confiança que o seu mandato de deputado distrital, no passado, foi uma bênção de Wasny de Roure. Assim ele chegou até aqui, por enquanto em paz com os céus. Não quer receber mais uma parte do inferno, além daquela que vai herdar de Agnelo Queiroz.
É hora do desapego, só para incentivar o período fraterno que vivemos, julgando que o período natalino pode oferecer um cenário de paz e fraternidade. Aproveitando o tema, este escriba deseja a todos uma excelente ceia de fim de ano. Devemos aguardar, entretanto, quem vai receber o pão molhado e ouvir o galo cantar…
Max de Quental