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Podridão, da Dinamarca à Porto Alegre

Central de Registradores em colisão com CNJ

Publicado

Autor/Imagem:
Antônio Albuquerque, Edição

O Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento CNJ n. 47/2015, que visava criar centrais de registro de imóveis para facilitar o intercambio de informações entre os cartórios, o Poder Judiciário, a Administração Pública e o público em geral. No Provimento, não havia autorização para a cobrança dos serviços prestados pelas centrais.

Mas, apesar disso, o Instituto de Registro Imobiliário do Rio Grande do Sul passou a cobrar por tais serviços,  criando uma norma com fonte remunerada à revelia do CNJ. As taxas foram criadas pela ex-corregedora do TJRS, desembargadora Denise Oliveira Cesar, através do Provimento n. 33/2018.

O ato de Denise Oliveira contrariou a própria legislação estadual (Lei n. 12.692/06), que não previa cobrança de “busca eletrônica”, “solicitação de certidão eletrônica”, “certidão eletrônica”, “materialização de certidão eletrônica”, “visualização de certidão eletrônica”, “visualização eletrônica (matrículas on-line)”, “processamento de dados”. Também nãp havia autorização para que a central cobrasse por seus serviços.

O gesto da desembargadora, que tem por sinônimo os mais abjetos adjetivos, levou o IRIRGS, após a denúncia da Rede Pelicano Brasil de Direitos Humanos através do IBEPAC, a enviar um projeto de lei à Assembleia Legislativa, (PL n. 218/2020, de autoria do deputado Elizandro Sabino. O texto segue seu rito de tramitação nas omissões técnicas..

No processo n. 0006072-32.2020.2.00.0000, apresentado pela Rede Pelicano Brasil de Direitos Humanos através do IBEPAC, o IRIRGS apresentou defesa argumentando que o Conselho Nacional de Justiça através do Provimento CNJ n. 47/2015, havia autorizado a cobrança de emolumentos pelos serviços prestados e que o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul na notícia de fato n. 014013.001.576/2020 considerou regular o ato:

“[…]Desse modo, o próprio CNJ autorizou a cobrança, bem como indicou que ela se daria por norma administrativa local.”

Já o ministro Humberto Martins, ex-corregedor Nacional de Justiça, junto ao processo n. 0003703-65.2020.2.00.0000, proibiu a cobrança de emolumentos pelas centrais, o que foi acompanhado pelos demais conselheiros:

“[…]Ressalte-se que, o então Provimento n. 47/2015 (revogado pelo Provimento n.89/2019) que criou o Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis-SREI, em nenhum de seus artigos, autorizava qualquer cobrança por parte das Centrais de Registros Eletrônicos de Imóveis.”

Na votação no Plenário do Conselho Nacional de Justiça, o ministro Dias Toffoli, foi contundente em seu voto:

“[…] As apontadas cobranças, cuja cessação foi determinada, não têm nenhum amparo legal. Desse modo, a sua manutenção permite afirmar presentes os pressupostos que concernem à existência de fundado receio de prejuízo para os usuários do serviço de registro imobiliário de todo o país, que sofreriam indevida exação, sendo ao mesmo tempo possível entrever a possibilidade de dano irreparável para a coletividade de usuários desse serviço público e para a própria imagem e credibilidade da instituição registral imobiliária, que opera por delegação do Poder Público, sob a fiscalização do Poder Judiciário.”

Como se não bastasse a irregularidade na cobrança de emolumentos considerada regular pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul na notícia de fato n. 014013.001.576/2020, contrariamente ao que decidiu o CNJ, há outro fato que vem chamando a atenção da Rede Pelicano Brasil de Direitos Humanos e do IBEPAC. É que no provimento emitido pela desembargadora Denise Oliveira Cesar, ex-corregedora do TJRS, os serviços são prestados através de plataforma única e os registradores são obrigados a aderirem à central criada, não podendo prestar os serviços diretamente ou através de outras empresas que possam oferecer o mesmo serviço.

Por outro lado, ao obrigar os registradores a utilizarem uma plataforma única, operada pela Empresa Sky Informática, onde um de seus sócios é, também, assessor da Central de Registro de Imóveis (e também patrocinadora dos eventos do Instituto de Registro Imobiliário do Rio Grande do Sul) criou-se uma espécie de monopólio com a prestação de serviços por uma única empresa.

A Sky Informática, além de operacionalizar o sistema da central de registro de imóveis do IRIRGS e receber por isso, também mantém uma página na internet, onde, além de utilizar o termo “cartório”, intermedeia prestação de serviços entre usuários e registradores, o que contraria a recomendação do Conselho Nacional de Justiça expedida no processo n. 0004185-86.2015.2.00.0000, que recomendou aos tribunais a editarem atos normativos proibindo “a utilização do termo ´cartório´, indistintamente, por qualquer pessoa jurídica, pode gerar uma certa confusão, pois o usuário pode imaginar estar diante de um serviço público delegado pelo Poder Judiciário. Recomendação para que os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, iniciem a elaboração de proposta de projeto de lei para regulamentar a utilização dos termos “cartório” e “cartório extrajudicial”.

A Empresa SKY, em sua página na internet, onde utiliza o termo “cartório” contra recomendação expressa do CNJ – e isso foi constatado pela equipe de Notibras – impõe aos usuários de seus serviços concederem uma autorização tácita para que os seus dados pessoais sejam repassados aos cartórios:

“[…] 2. O usuário deste portal de consulta dá o seu consentimento através da aceitação tácita dessa Política durante o uso continuado do portal. O usuário do portal dá o seu consentimento com o uso de cookies com o uso continuado do portal, permitindo melhorar a navegação. […] 4. Os dados pessoais que constam nos atos, consultados neste portal, foram livremente cedidos ao cartório que produziu o ato notarial e/ou registral aqui consultado, e por se tratar de um ato de cartório tem legislação específica e de acordo com a LGPD – Lei Geral de Produção de Dados Pessoais. Além deste portal o ato notarial e/ou registral poderá ser verificado em sua autenticidade no website do Tribunal de Justiça correspondente ao Estado em que foi produzido o ato. […] 14. A propriedade intelectual deste Portal de consulta é da Sky Informática.”

O fato é inusitado e a empresa Sky Informática, por meio da sua advogada Elaine Harzheim Macedo, , a ex-desembargadora do TJRS, emitiu recentemente nota informando que o Conselho Nacional de Justiça nunca intimou a empresa para se manifestar. Até lá, não se sabe quando os usuários dos serviços da central de registro de imóveis do Rio Grande do Sul serão ressarcidos, principalmente empresas públicas federais que pagaram por tais “serviços”.

Ou, como diriam leitores de William Shakespeare, considerando que havia algo de podre no reino da Dinamarca, mandou que Hamlet embarcasse a sujeira e descarregasse na Lagoa dos Patos, em Porto Alegre.

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