Água mole em pedra dura realmente bate até que fura. Depois de tantas idas para lá e poucas para cá, finalmente o Centrão do camarada Arthur Lira (PP-AL) colocou as duas mãos e os dois pés na Caixa Econômica Federal, o seu, o meu, o nosso banco de fomento. E quem deverá assumir o comando do cofre? Quem, quem, quem? Arthur Lira, por meio de sua aliadíssima ex-deputada Margareth Coelho.
Com currículo dos mais pragmáticos, ela já fez juras a Deus e ao Diabo. Vice-governadora do Piauí na gestão do hoje ministro Wellington Dias, ano passado a moça apareceu em fotos fazendo campanha para a reeleição de Jair Bolsonaro, ao lado da ex-primeira-dama Michelle, da majestosa senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e da irrequieta bolsonarista Celina Leão (PP-DF), vice-governadora de Brasília.
Advogada de carreira, não há indicativos de que ela seja do ramo financeiro, requisito básico para presidir a Caixa. O que se há de fazer? Tudo bem. Ocorreu o mesmo com o Jair. Também esqueceram de pedir o atestado de competência e de idoneidade e deu no que deu. Por essas e outras é que minha caixa de guardar dinheiro é a de sapatos.
Conheço da doutora o mínimo para saber que o futuro da estatal não será de glórias. Nada contra seu ioiô político, mas tudo a favor da sabedoria e do necessário conhecimento para os que se capacitam ao cargo de presidente da empresa.
Negócio fechado, Margareth Coelho deve ser anunciada ainda esta semana para o lugar de Rita Serrano, servidora de carreira e cota pessoal do presidente Luiz Inácio. Pouco importa quem seja a Rita e o que ela vale. Importante é garantir votos para batalhas futuras no plenário da Câmara dos Deputados e do Congresso. Certo?!
Infelizmente é assim que funciona. São os podres poderes, acobertados pelo descaso das classes governantes e com a conivência de parte da omissa sociedade brasileira. É a elite que chafurda no mesmo espaço em busca de créditos rápidos e fáceis e depois se acha no direito de questionar roubalheiras.
Por exemplo, quem não se lembra do ex-deputado federal Geddel Vieira Lima, ex-vice-presidente da Caixa na mesma gestão. Menininho parrudo do governo de Michel Temer, Geddel foi pego “vigiando” malas e caixas de dinheiro em espécie dentro de um imóvel alugado por ele mesmo em Salvador. A Polícia Federal recambiou para a União R$ 51 milhões que não eram dele. Condenado a 14 anos de prisão, Geddel passou 1010 dias preso, está em liberdade condicional e novamente busca um lugarzinho ao sol na sempre esperançosa política brasileira. Certamente ele será bem-vindo em qualquer uma das 36 agremiações partidárias registradas na Justiça Eleitoral.
Quanto ao povão, apenas a máxima do fictício deputado Justo Veríssimo, uma das hilárias e mais sérias criações do mago Chico Anysio. A montanha de dinheiro em poder de Geddel provocou indignação em todo brasileiro que trabalha duro para pagar contas e eventualmente para comer. Os demais provavelmente lamentaram não terem tido acesso a pelo menos parte do dindim.
Não questiono a índole da indicada, mas sim sua suposta incapacidade para a empreitada. Se ela pode, por que não Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Ronaldo Fenômeno, Marcelinho Carioca, o Homem Aranha, Jorge Sampaoli, Carla Zambelli ou eu?
Perdão pelo sincericídio, mas acho improvável um jornalista gerenciar com o necessário rigor um hospital especializado em cirurgias coronarianas. Do mesmo modo, não me vejo editando um texto de um cardiologista sobre a visão cristalina de uma causídica em empréstimos para o agronegócio, para a 123 Milhas ou para grandes empresas sempre em situação de penúria.
Antes de ser tachado de comunista, registro que meu limite para corrigir escritos relativos a empréstimos se finda nas gerências de casas de saliência, de botecos especializados em ovos coloridos da esquina e de motéis de alta rotatividade com estoque à mostra.
Fundador da Caixa Econômica, o imperador Pedro II está de bruços no túmulo e gritando: “No meu, não”. Temo pelos 150,3 milhões de clientes da estatal (eu, inclusive), os quais poupam, guardam, torcem, mas não conseguem uma boquinha em uma das 12 vice-presidências da empresa. Eita mundo desigual!
O fato concreto, inquestionável e, parece, irreversível é que, galinha dos ovos de ouro para todo menino do pré-maternal, o cofre da Caixa foi entregue só com a chave mestra ao Centrão. Sempre o Centrão nosso de cada dia. Então, salve-se quem puder. Dizem que na Austrália a estatal já tem novo comando.
*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978