O que acontece na moda quando hieróglifos egípcios e os tesouros de Tutancâmon encontram o glamour das pistas de dança de Manhattan dos anos 1980? Um espetáculo reluzente e fervido, claro! Especialmente, quando essa união é feita pela imaginação fértil e super-sofisticada de Karl Lagerfeld, diretor criativo da Chanel, e costurada à base de fios dourados.
Apresentado na última terça entre as ruínas do Templo de Dendur, datado de 15 a. C, em pleno Metropolitan Museum of Art, o Met, em Nova York, o desfile de Métiers d’Art da Chanel sintetizou esses dois mundos distantes em minissaias metalizadas, calças de couro atrevidas, estampas geométricas exuberantes e tailleurs de tweed sobrepostos a vestidos longos de chiffon.
“Uma pirâmide é a maior obra de arte minimalista”, disse Karl Lagerfeld, que de minimalista não tem nada.
É difícil descrever a excitação que rola em um desfile armado dentro de um dos mais importantes museus do mundo. A locação absolutamente incomum (há trinta anos não ocorria uma apresentação de moda no museu) foi aberta com exclusividade para os cerca de 1000 convidados da grife. Estavam lá todas as figuras importantes da moda mundial, bilionários e socialites nova-iorquinos, uma lista gigante de estrelas a começar por Penélope Cruz, Julianne Moore, Marion Cotillard, Margot Robbie, Blake Lively, Sofia Coppola… até Jerry Seinfeld apareceu. Múmias egípcias e achados arqueológicos dispostos no caminho que levava à passarela davam pistas sobre o que viria a seguir. “It’s scary (isso é assustador)”, soltou uma desavisada da high society.
Ali, entre a fachada milenar de pedra e arenito em um tom de bege claro, o público foi transportado imediatamente para a atmosfera mítica dos faraós. Modelos maquiadas como a Cleópatra desfilaram cerca de 80 looks, que exploraram ao máximo referências do Antigo Egito. Joias e bijuterias chiques de escaravelhos, saias envelopes (tiradas de figurinos registrados nas antigas pinturas) e as golas oskh ganharam modernidade ao lado de peças inspiradas na arte do grupo italiano Memphis, cujos móveis Lagerfeld colecionava nos anos 1980.“A capacidade que Karl tem de misturar movimentos modernos a referências históricas em criações aparentemente clássicas é incomparável no mundo da moda”, definiu Suzy Menkes, crítica de moda de edições internacionais da Vogue.
Para os homens, ele criou calças douradas com suéteres bordados – um dos looks foi apresentado pelo músico Pharrell Williams, fazendo alusão a Tutancâmon. O dourado também apareceu nas botas, nos cintos, nos gorros e nas bolsas (algumas em formas piramidais). Enquanto isso, estampas assinadas pelo grafiteiro francês Cyril Kongo evocavam as ruas de Alphabet City e surgiram ao som Walk Like an Egyptian, sucesso de 1986 da banda Bangles (as vocalistas tinham um estilo incrivelmente caricato e o clipe dessa música é muito engraçado).
Quando a tumba de Tutancâmon foi descoberta intacta, em 1920, contendo um enorme tesouro que deveria guiar o faraó para a vida após a morte, houve uma febre em torno da estética egípcia. Designers de moda e decoradores, completamente encantados por esse universo, beberam dessa fonte. Coco Chanel, que na época despontava como estilista, também. Mal sabia ela que era só o começo.
Na moda de hoje continuam valendo as máximas escapistas, mas também conta muito levantar bandeiras socioambientais. A vanguarda criativa está na batalha contra a crueldade com animais, a favor do meio ambiente, pela igualdade de gêneros e pela inclusão racial.
Não por acaso, pouco antes do desfile de Métiers d’Art da Chanel, Bruno Pavlovsky, CEO de moda da marca, anunciou que a empresa não usará mais peles e couros exóticos em suas criações, prática já adotada por outras grife de luxo como Gucci e Armani. “Decidimos tomar essa atitude porque é algo que está no ar”, diz Pavlovsky. “Mas não foi uma coisa imposta. Foi uma escolha livre.”
Conclusão: todos os efeitos de couro de jacaré e de píton, exibidos nessa última coleção em Nova York, são feitos com a técnica do Trompe-l’oeil, a partir de couro bovino estampado.
Não por acaso também dezenas de modelos negras fizeram parte do casting. E na festa organizada logo após ao desfile, em uma tenda no meio do Central Park, o show foi da nova popstar Kelela, nova sensação entre gente jovem de Manhattan.
O ponto alto da balada, porém, veio na sequência, com o revival das batalhas de dança intituladas Vogue, que nasceram como forma de resistência em clubes gays de Nova York. Os movimentos precisos e a estética provocadora, com as poses e o carão fashionista, realmente, causaram frisson. Lá fora estava um gelo, – 2 ºC, mas o calor humano e o jogo de cena erótico dos bailarinos incendiou a pista. NYC ferveu!