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Chassi de Grilo se farta com batata do velho sargento

Nasceu Oswaldo Agripino das Chagas, abaixo de dois quilos, parto difícil, peito praticamente sem leite, descreditado pela parteira, nenhum choro, apenas um quase inaudível silvo, que cismava sair dos pulmões quase sem vida. Sobreviveu às custas de muitas rezas da benzedeira do povoado na região do Entorno de Brasília. Do nome pomposo, passou toda a infância apenas acompanhado das chagas, que ora quase o desacreditaram, ora o castigavam naquele mais um eterno dia de sofrimento perene.

Aos 12, parecia que mal chegara aos 6, tamanha a falta de carnes naqueles ossos tão frágeis. Daí surgiu o primeiro apelido, que ficou: Chassi de Grilo. Até a mãe, de tanto ouvir o povo chamar seu rebento assim, acabou por acostumar e, sem qualquer cerimônia, arrebatava o menino da cama logo cedo para ajudá-la nos afazeres: “Chassi, vem me ajudar a cuidar das galinhas”. Oswaldo caiu no esquecimento, até que chegou a época de se alistar.

Lá estava aquele rapaz, mais mirrado que todos, no meio de tantos outros. Um a um era chamado pelo nome, até que o sargento, prancheta na mão, gritou.

– Oswaldo Agripino das Chagas!

Ninguém moveu uma palha, o que fez com que o militar voltasse a gritar, agora mais alto.

– Oswaldo Agripino das Chagas!!!

Nada! Até que o Juvenildo, vizinho do Chassi de Grilo, deu uma cutucada nele e falou baixinho.

– Chassi, o homem tá te chamando.

Chassi de Grilo, como se acordado de um sono profundo, acabou se lembrando do próprio nome e, finalmente, levantou o braço esquerdo que, de tão fino, parecia mais um galho seco. Ao perceber aquele que era apenas pele e osso, o sargento olhou com desdém e, com a boca retorcida de puro sarcasmo, disse.

– Você é tão ruim, que não serve nem pra descascar batata!

Dispensado de servir a pátria, lá foi o Chassi de Grilo voltar para o lar. Cabisbaixo, não sabia se aquilo era bom ou ruim. Todavia, aquelas palavras do homem de farda o incomodaram por um período. Ele repetiu para si próprio, talvez em voz alta, que sabia descascar batata sim. Sabia até descascar cana, macaxeira, o que viesse.

O tempo passou, a vida do Chassi não mudou muito, a não ser pelo fato da sofrida mãe, coração maior que o próprio peito, ter morrido de chagas. Nem teve tempo de chorar, tamanha a secura da roça. Aos 25 foi tentar a vida na cidade. De bico em bico, acabou sobrevivendo dos restos jogados no lixo.

Chassi de Grilo teve que aprender a vencer a ligeireza dos ratos para não passar fome. Às vezes chegava a entrar em vias de fato com um mais atrevido ou, em comum acordo, dividia um naco de pão com os companheiros de esgoto. E foi justamente num desses banquetes no beco que aconteceu algo que, definitivamente, transformou a vida daquele homem que mal chegara a 1,50 metro.

Três homens entraram nos domínios do Chassi de Grilo, que, antes de ser percebido, se embrenhou atrás do enorme container de lixo. O maior deles parecia ser forçado a seguir na frente, enquanto os outros dois, olhando para todos lados, sussurravam algo praticamente inaudível aos ouvidos do assustado Chassi. O grandão foi empurrado de encontro ao enorme muro e, então, o Chassi pode notar um revólver prateado nas mãos de um dos outros homens.

– Vai morrer, desgraçado!

Sem tempo de raciocinar, Chassi de Grilo, com um pedaço de pau na mão, acertou a cabeça do homem armado. O outro foi dominado pelo grandão, que lhe desferiu um forte murro nas fuças. Tombou já desacordado, a cabeça explodiu no duro asfalto. O sangue escorreu, o corpo já sem vida.

O grandão tomou o pedaço de pau das mãos do Chassi e, em seguida, desferiu vários golpes na cabeça dos dois homens. Encarou os olhos enegrecidos da franzina criatura diante de si e teve ânsia de fazer o mesmo com ele. Todavia, talvez por gratidão, o puxou pelo braço e disse.

– Vamos sair logo daqui.

O grandão se chamava Antônio Carneiro, filho de dona Antônia, pai não declarado, mas que todos sabiam ser o pastor Ezequiel, que passou por aquelas bandas há pouco mais de 30 anos. Antônio Carneiro era nome de registro, todos o conheciam por Tamanduá. O motivo? Bem, não se sabe se essa história era verdadeira ou não, mas se falava que era por conta de uma disputa à mão nos tempos de adolescência, quando ele teria espagado o tórax de um homem feito apenas com a pressão dos braços. Seja verdade ou não, Tamanduá era o cabeça da bandidagem daquela região.

Chassi de Grilo, de mero protegido, subiu rapidamente na hierarquia. Agora era o braço direito do Tamanduá, que a tudo lhe confiava. Isso, aliás, trouxe autoestima para o mirrado, agora cultivando até um fino bigode debaixo da fuça. Revólver na virilha, mandava e desmandava, já que Tamanduá não queria se preocupar com esses pequenos aborrecimentos.

Depois de quase dez anos, Tamanduá viu a organização crescer de maneira vertiginosa. Até o juiz do local sabia quem mandava e desmandava, a polícia não se atrevia a enfrentar o chefe mor do crime. Todos o tinham na mais alta conta, seja por respeito, seja por puro medo. Por isso, não era raro alguém ir lhe pedir um favor. E foi justamente num desses dias que aconteceu algo que encheu o coração do Chassi de Grilo de regozijo.

Aquele mesmo sargento, que havia humilhado o braço direito do Tamanduá, foi até o escritório do crime pedir um favor. Agora reformado, o homem foi reclamar que sua filha adolescente havia sido molestada por um vizinho. Tamanduá não quis saber dessa conversa e logo falou para o Chassi de Grilo resolver aquela pendenga. E, assim que viu aquele homem suplicando por ajuda, Chassi o observou minuciosamente.

– Pode ficar tranquilo, vou dar um jeito nesse homem que fez mal pra sua filha.

– Muito obrigado, senhor! Não sei nem como agradecer o senhor.

– Pois eu sei como.

O homem arregalou os olhos e, passivamente, apenas aguardou que o Chassi de Grilo lhe falasse o que ele deveria fazer. O braço direito do Tamanduá, por sua vez, cofiou suavemente a ponta do fino bigode e, com um sorriso de vingança, disse.

– Tá vendo aquelas batatas ali no canto? Quero elas bem descascadinhas. Hoje tô com vontade de comer umas fritas.

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