Os amigos, vez ou outra, me perguntam por que ando sumida. Sem demora, invento uma desculpa qualquer, que estou atolada de serviço no trabalho, que viajei para visitar minha mãe, e até mesmo que o cachorro está doente. Aliás, talvez esta seja a mentira mais deslavada, pois o Teco faleceu há quase dois anos.
Vivo reclusa, mergulhada em pensamentos de outrora e de agora. Os antigos, e que poderia ter feito, não fiz. Quanto aos de hoje, desapareceram que nem periquito na copa de árvore. Quando tento puxar pela memória, eis que outros se aproveitam para invadir a minha mente. Sorte que são tão efêmeros, que logo pegam o beco sem deixar rastro.
Separei alguns livros para ler. “Dom Casmurro”, “A hora da estrela”, “Cem anos de solidão” e “A verdade nos seres”, de um tal Daniel Marchi. O famoso romance do Machado de Assis já li duas vezes. Da primeira, tive certeza de que Capitu era mesmo uma adúltera. Já na segunda, inocentei a mais notória personagem da literatura brasileira. Não duvido, então, que depois de terminar de lê-lo pela terceira vez, constate que o maior desejo de Bentinho era ser traído.
Macabéa! Já tive meus momentos de Macabéa. Não raro, percebo traços de Clarice em sua famosa personagem. Seria ela o alter ego da autora? Outra coisa que não sai da minha mente é que Macabéa, inconscientemente, se deixou atropelar por aquele Mercedes-Benz. Não raro, invade-me aquela vontade de fazer o mesmo, mas falta-me algo que nunca tive: coragem.
Lembro-me vagamente da história contada por Gabriel. É que já faz mais de 30 anos que li sua premiada obra. Entretanto, ainda guardo na memória Rebeca, que, depois de viúva, se trancou em casa e voltou a ter o hábito de comer terra. Nunca me casei, apesar de alguns relacionamentos duradouros, que só me sufocaram com a ideia de eternidade. Também jamais tive pretensão de comer terra, pois chocolate sempre me pareceu mais atraente.
Indecisa que estou, observo os três clássicos sobre a cama. Que nada! Olho para “A verdade nos seres”, como quem não está interessada. Puro fingimento. Passo os dedos sobre a capa branca e vermelha e não resisto. Hoje preciso de um pouco de poesia.
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