A mulher, nordestina de nascimento, coração, alma e tudo mais que tivesse direito, foi morar em Porto Alegre. No entanto, não foi por conta do que geralmente o povo do Sul acredita, já que condição é o que não lhe faltava. Isso mesmo! Além de condição, ocupava cargo importantíssimo em órgão pra lá de almejado por concurseiros de plantão.
– Sabia que você nem parece que veio do Nordeste?
– Ôxe! Pois está deveras enganada! Se eu saí do meu Nordeste, o meu Nordeste continua aqui dentro bem grudadinho em mim.
Não que ela fosse orgulhosa por suas origens. Era uma questão inerente ao seu ser, que, desde sempre, hoje e adiante, se perpetuaria como o Sol nasce e se põe infinitamente. Era nordestina e pronto! Não dava e nem havia margem para discussão.
– Mas…
– Não tem mais nem menos. Sou o que sou e fim de papo!
A mulher foi ficando por aquela cidade, adaptando-se à rotina. Provou chimarrão, até gostou, mas nada que a fizesse abandonar o hábito do café. Teve mais afeição pelo churrasco, especialmente da famosa costela vinda do Uruguai. Uma delícia!
Perambulou por toda a cidade, foi ao Brique da Redenção aos domingos, à Feira Ecológica do Menino Deus aos sábados, ao Centro Histórico, à Orla do Guaíba. Tudo, que antes era novidade, se transformou em hábito. E, de tanto rodar pela cidade, acabou conhecendo um belo rapaz, cujo sotaque lhe chamou a atenção na fila do pão, ali no supermercado mais famoso da cidade.
– Dois pães, por favor.
Assim que o rapaz tomou a direção do caixa, a moça decidiu segui-lo, pois já estava satisfeita com os itens colocados no carrinho.
– Carioca, né?
– Sim. Como descobriu?
– É que conheço os cariocas pelo jeito de andar.
A conversa engatou e, já na saída do estabelecimento, o homem a convidou para prosseguirem na cafeteria da esquina. Despachada como ela só, aceitou com aquele sorriso mais lindo do mundo. Do café para o amor, foi um pulo e, alguns meses após, estavam casados e felizes.
Foi numa segunda-feira de dezembro que a mulher, que havia sonhado com algo há muito desejado, se descobriu grávida. Contou ao marido, que chorou abraçado à esposa. Que felicidade!
Os meses correram e, finalmente, nasceu uma linda menina de cabelos pretos como os de uma graúna. O sorriso, apesar da flagrante falta de dentes, era todo da mãe. Do pai, talvez o espaço incomum entre o dedão do pé e o segundo.
Não tardou, aquela amiga, a mesma amiga que cismava em dizer que a mulher não parecia ser nordestina, foi visitá-la. Beijinhos daqui, beijinhos dali, a amiga não resistiu e soltou uma provocação.
– Pois é, querida, a sua filha é gaúcha.
– Gaúcha, porém, filha de nordestina. Vai dormir na rede, sim!