Renée Pereira e Mônica Scaramuzzo
Cai, Marino e Qu passariam despercebidos na zona sul do Rio de Janeiro em meio aos milhares de turistas gringos que visitam a cidade maravilhosa. Mas eles não estão ali a passeio. Pelo contrário. Foram destacados pela gigante chinesa State Grid para garimpar oportunidades de negócios Brasil afora. Trabalham dia e noite para gastar cerca de R$ 15 bilhões em projetos de expansão de energia no País e têm um orçamento sem limites para aquisições de empresas.
Num País com infraestrutura precária e grave crise fiscal, o trio não tem tido dificuldade para cumprir a missão traçada em Pequim. Desde que eles desembarcaram no Brasil, em 2010, compraram o controle – ou participação – de 14 empresas e arremataram 9 projetos de transmissão de energia elétrica. A última empreitada foi no mês passado, quando anunciaram a aquisição de 23,6% da CPFL Energia, que pertencia à Camargo Corrêa, por R$ 5,85 bilhões – um negócio que pode chegar a R$ 26 bilhões, se for considerada a compra da participação dos demais acionistas.
Com os ativos brasileiros baratos, seja por causa do dólar ou pela crise econômica, os três chineses não têm muito tempo livre Cai Hongxian (pronuncia-se Tchai), presidente da companhia no Brasil, conta com a ajuda de Marino (quer dizer, Chang Zhongjiao), que preferiu adotar o nome ocidental e responde pela vice-presidência de gerenciamento de projetos do grupo; e de Qu Yang, também vice-presidente. Cabe ao trio chinês caçar as oportunidades no País e apresentá-las à cúpula do grupo, em Pequim.
A filial brasileira da bilionária estatal chinesa, no centro do Rio, dá uma ideia da ambição deles. No edifício de 16 andares, comprado por R$ 200 milhões, o grupo ocupa cinco pavimentos. O resto é reservado aos novos negócios da empresa, além de abrigar companhias de terceiros. Ali, por trás das paredes envidraçadas do SGCC Rio Tower, os chineses tentam se familiarizar com a cultura nacional em meio a uma carga horária insana de trabalho – Cai, por exemplo, trabalha de 7h às 22h.
Algumas vezes, quando estão em ritmo forte de viagens, costumam dormir ali mesmo. No escritório, há espaço para os executivos descansarem e tomarem banho. Os três chineses à frente da State Grid no Brasil até arranham o português, mas preferem mesmo é se comunicar na língua-mãe: o mandarim. Cai tem ajuda de Vitor – ou melhor, Zhao Jiangshan -, seu braço direito, com a tradução.
Os principais executivos moram perto um do outro, em Ipanema – bairro nobre do Rio. “No tempo livre, Cai gosta de comer bem e beber vinho”, diz uma fonte próxima a ele. Um dos restaurantes frequentados pelo chinês é o Salitre, também em Ipanema, onde ele já é um velho conhecido, tem lugar reservado e volta a pé para casa.
‘Bebemorar’ – Quando fecham um grande negócio, costumam comemorar. As festas são regadas a bebida: vinho, maotai (destilado chinês) e até cachaça. Tudo seguindo rituais da cultura chinesa, como brindar várias vezes. Ao convidado, cabe beber – e muito. “Isso é um sinal de confiança”, diz um executivo que já participou de um dos jantares. “Os executivos são uns nas reuniões, onde são inflexíveis, e outros fora do escritório.”
Segunda maior empresa do planeta, com faturamento de US$ 330 bilhões, atrás do Walmart, a State Grid domina mais de 80% do mercado chinês de energia. Aqui, ainda está engatinhando, apesar das várias transações concluídas desde 2010. Mas, no ritmo atual, alcançará o topo das maiores elétricas do País. Na carteira de aquisições em análise estão ativos da espanhola Abengoa no Brasil – negócio que pode ser anunciado nos próximos dias – e fatia na geradora de energia eólica Renova. Em setembro, deverá participar do leilão de 6,6 mil quilômetros de linhas de transmissão no País, equivalentes a R$ 11 bilhões de investimentos. Hoje, tem 5.785 km de linhas no País.
Com os negócios mapeados pelo trio no País, entra em ação uma equipe de mais de duas dezenas de profissionais na China para analisar os ativos. O martelo sempre é batido pelos controladores da China.
Nas reuniões, os chineses chegam muito bem preparados e, apesar da enxurrada de dinheiro disponível para investir, seguem uma racionalidade econômica rígida. Ou seja, não esbanjam em nada. Mas a estreia no Brasil teve uma excepcionalidade. Em 2010, quando compraram o controle de sete empresas de transmissão por R$ 3,1 bilhões, decidiram quitar a dívida que as empresas tinham com o BNDES para acelerar o negócio. “Foi uma aquisição agressiva e que surpreendeu todo mundo”, diz uma fonte que participou da negociação.
O início da operação no Brasil não foi fácil. Acostumado à cultura estatal, o grupo não entendia os meandros regulatórios, ambientais e trabalhistas do País. A State Grid chegou a perder funcionários, mas hoje já está mais alinhada às regras locais. Alheios à crise, selecionam tudo sem pressa. Afinal, a oferta é maior que a demanda. E paciência – e dinheiro – eles têm de sobra.