Quando menino, imaginava que a noite era dos adultos. Por isso, não estranhava quando meus irmãos mais velhos iam dormir mais tarde, enquanto o sono sempre me pegava antes das 20h. O tempo passou e meus vinte e poucos anos me pegaram de surpresa. Pois é, eu havia me tornado adulto e cheio de responsabilidades.
Meus amigos, animados para esticar as horas após mais um dia de trabalho, quase sempre conseguiam me arrastar para um bar. Quando me dava conta da situação, o desânimo e o sono invadiam todo o meu ser. Era um martírio manter os olhos abertos, enquanto aquele turbilhão de vozes ecoava pelo ambiente. Afinal, o que eu estava fazendo naquele lugar? E bastava a simples menção de que eu iria embora para que um dos meus colegas gritasse para o garçom: “Chefe, mais uma rodada! E sem colarinho!”
Com o acúmulo de noites em claro, percebi que aquela tentativa de me enturmar com os notívagos era algo incompatível com o meu relógio biológico. E foi justamente numa sexta-feira, início de mês, quando todos estávamos com dinheiro na conta, a mesa do bar lotada de tulipas, tira-gostos diversos, que, sem avisar, resolvi me levantar e rumar para o único local que, àquela hora da quase madrugada, desejava estar: minha cama.
Lembro-me dos apelos do Paulo e do Julião, que não entendiam como é que eu poderia ir embora, justamente quando o Rômulo, nosso chefe, começava mais um dos seus embriagados discursos. Ademais, a Rúbia, a colega mais desejada do ambiente, parecia arrastar asa para mim. Mal sabiam que ela estava tão interessada em mim quanto uma onça por uma salada de alface e tomate. Como sei disso? Bem, a própria Rúbia me confidenciou que, após algumas desilusões amorosas, andava de caso com seu vizinho de porta, no prédio de uma quadra da Asa Norte para onde havia se mudado há pouco.
Não quero me prolongar nesse romance da minha amiga. No entanto, vale aqui mencionar que o gajo era recém-casado e que, após alguns meses de luxúria, a coisa esfriou. Cada um foi para o seu lado e, até onde sei, a esposa do amante não descobriu a traição.
Mas como disse, logo que me levantei, cumprimentei os presentes com um leve movimento de cabeça e saí. Enquanto me afastava, minha mente foi se sentindo mais aliviada com o barulho diminuindo até que, ao entrar no carro, o murmurinho se tornou música na voz do Gil: “Vamos fugir deste lugar, baby…”
Desde aquele longínquo dia no bar, nunca mais me deixei levar pelos convites, por mais insistentes que fossem, dos meus amigos. Eles sabem que sou esquisito, que não gosto de trocar a noite pelo dia. Durmo com as galinhas, enquanto eles passam as noites com as corujas. No entanto, parece que eles perceberam algo naquela última noite, que, até há pouco, não havia sido captado pelo meu radar. É que estou aqui na cozinha preparando o café da manhã para a Rúbia, que ainda adormece sob os lençóis da cama no quarto ao lado.
*Eduardo Martínez é autor do livro “57 Contos e Crônicas por um Autor muito Velho”.
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