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Emoção fake

Choro oportunista não convence nem roteirista mexicano

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Autor/Imagem:
Mathuzalém Júnior - Foto de Arquivo/Valter Campanato - ABr

Com conhecimento de causa, adquirido pelos muitos anos de praia, meus informantes não me cansam de dizer que falar de Jair Bolsonaro é tempo perdido. Sei que não se deve chutar cachorro morto, que “rei” jubilado é “rei” posto e que é burrice gastar velas com defunto ruim. Conforme a expressão popular, tudo isto significa continuar “investindo” em algo que não dá mais retorno. Não costumo apostar em time ruim, tampouco em cavalo perdedor. Por fim, sei que malhar em frio tanto bate até que fura. Furou a minha e, acredito, vazou a da maioria dos brasileiros, os bons brasileiros, aqueles só admitem lembrar novamente do Jair no dia em que ele voltar a brilhar vendo o sol quadrado. Até lá, que pense nas asneiras que disse, fez e repassou.

O problema não é mais o mito, mas os que permanecem com bandeiras nos automóveis, nas varandas, bicicletas e charretes. Como cravou o ex-senador francês Victor Hugo, “Entre um governante que faz o mal e o povo que o consente há uma certa cumplicidade vergonhosa”. Algumas pessoas merecem uivos de palmas (ou seria salva de tiros) pelo teatrinho que fazem. Enquanto a deputada negacionista Bia Kicis (PL-DF) cobra vacina do governo Lula, semana passada, durante audiência na Comissão de Segurança Pública do Senado, o senador Rogério Marinho (PL-RN), ex-ministro do Jair, chorou ao falar dos presos de 8 de janeiro. A emoção foi de tal porte que o sensível parlamentar precisou ser consolado pelo pai. Para quem não se lembra, o moço chorou por causa dos terroristas que quebraram parte das sedes do Congresso, do Supremo Tribunal e da Presidência da República.

Considerando que o mesmo senador não produziu uma única lágrima pública pelos mais de 700 mil mortos pela Covid 19 e jamais se manifestou contrariamente ao vandalismo estimulado pelo ex-chefe e executado pela corja que apoia, minha leitura sobre o chororô é inversa. Provavelmente, a luz forte dos holofotes de televisão virados para ele tenha ajudado no fortuito lacrimejamento dirigido exclusivamente à torcida organizada. Se verdadeiro, não convenceu nem os roteiristas das novelas mexicanas. Talvez tenha sido para inglês ver. Acho, no entanto, que a real causa do compulsivo choro foi outra. O golpe não saiu como planejado, Bolsonaro ficou inelegível e corre o sério risco de ser preso, o Brasil não virou a Venezuela com a qual os bolsonaristas sonham dia e noite e, o que é pior, o governo de Luiz Inácio está dando certo. Querem mais?

O faz de conta acabou. Obviamente os que hoje choram já esqueceram que ontem representavam um déspota, um tirano travestido de democrata com pele de cobra cascavel. Que me perdoem os que defendem o choro oportunista e fora do contexto, mas opto pela definição desse tipo de lágrima como a ferramenta preferida por aqueles que tutelam e torcem pelo retorno de pessoas que já tiveram toda a condição de realizar algo pelo Brasil e nada fizeram. Por isso, sugiro ao povo que já chorou – e chora – por coisas bem mais tristes que passe a teclar diariamente o modo inteligente de pensar em política, que é não deixar os políticos brincarem com nossa inteligência.

Sei que o melhor seria mostrar aos chorões dos palcos iluminados que milhões de brasileiros continuam morrendo de fome, que centenas de milhares de trabalhadores estão sem emprego, que uma enormidade de pessoas não tem onde morar e que as sequelas de suas (as deles) brincadeiras com a pandemia ainda assustam muitas famílias da pátria chamada Brasil, a mesma que eles tentaram jogar no lixo por longos e intermináveis quatro anos. Seria melhor que dissesse para os oportunistas de plantão que, independentemente de onde estejam, o cidadão – brasileiro ou não – deve ser respeitado e não agredido. De nada adiantaria. Viúvas saudosas choram por onde sentem saudades. Pois bem. O senador chorou, não sei por que razão. Também pudera ele não estava acostumado com a vida longe do mito.

De imediato, o que posso dizer é que, embora morra de desgosto, trocarei tudo que tenho procê nunca mais chorar, não chorar por mau defunto. Se não quer fazer ninguém rir com seu choro, guarde algumas lágrimas para os próximos capítulos da rocambolesca novela de Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral. Caso prefira esperar, a reprise no Supremo Tribunal é uma questão de meses. A previsão é que, no fim, os defensores da trama diabólica que foi o governo Bolsonaro terão de se contentar com o amargo sabor da derrota. Talvez xinguem ministros de tribunais, agridam seus filhos, mas sempre chorarão quando chegar o dia da prova final. Aí viram ladys, meninos mimados, negacionistas arrependidos e talibãs prontos para explodir carrinhos de pipoca. Até que consigam chegar ao Congresso Nacional, onde, brincadeiras parlamentares à parte, o choro é de consolação.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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