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Cidade que foi ‘Maravilhosa’ jorra sangue à espera de um milagre

Falido desde o fim dos anos 70, o meu, o seu, o nosso Rio de Janeiro está entregue às baratas. Ultrapassou 200 graus. Faz tempo que o crime desorganizado havia assumido o controle do Estado. Recentemente, porém, passou às mãos do crime organizado, incluindo as milícias, e, agora, contaminado negativamente pelos governantes, pelas polícias Civil e Militar e por todos aqueles que detêm poder, o município está desgovernado de vez, literalmente à espera de um milagre.

Campo minado, a ex-Cidade Maravilhosa não passa da Casa da Mãe Joana, comandada por um soldado de puliça. O Rio de Carlos Bolsonaro, o vereador que odeia ser vereador, pois passa a maior parte do seu tempo em Brasília, vive entre o belo e o podre, o mar e a montanha, o morro e o asfalto, mas não consegue reduzir o apodrecimento de suas autoridades.

De passagem pela cidade que, na minha infância e juventude, adorava ouvi-la, vê-la e tê-la maravilhosa, me surpreendi com o que vi. A exemplo do Brasil, o Rio de Janeiro hoje é terra arrasada. Cercada e dominada por favelas – comunidades, no eufemismo dos lordes -, perdeu o romantismo de outrora. E o que dizer da princesinha do mar? Hoje mais parece a bruxa dos contos de fada.

As meninas e os garotões sarados do Leme, Copacabana, Arpoador, Ipanema, Leblon, São Conrado, Joatinga e Barra da Tijuca deram lugar a um amontoado de moradores de rua. Templo dos cariocas batalhadores, o subúrbio também não resistiu à criminalidade. Apesar disso, para o carioca raiz e para os amantes da beleza, o Rio de Janeiro ainda é sinônimo de perfeição.

Retrato piorado da política brasileira, a antiga capital do Brasil já teve seis governadores presos ou afastados nos últimos sete anos. O último deles foi o ex-juiz Wilson Witzel, investigado e jubilado por conta de desvios na saúde local. Sem medo de errar para cima ou para baixo, diria que a chefia de governo no Rio de Janeiro é igual ao reino dos céus. Muitos são os pretendentes, mas poucos são os escolhidos. Ou seja, só gabaritam os pós-graduados em inércia, em orgia financeira e os doutorados em criminologia.

Uma rápida pesquisa comprova que chefes das milícias, do tráfico e da banda podre da polícia são parlamentares ou ocupam cargos de ponta nas secretarias endinheiradas e até no Tribunal de Contas do Estado. São eles que mandam.

As leis não servem para eles, nem mesmo as que eles criam. Viajando no tempo, volto ao início dos anos 80, quando aportou na cidade um certo viajante vindo do Sul, mais precisamente do exílio. Eloquente e malandreado na política, chegou, fincou raízes, convenceu boa parte dos eleitores cariocas e fluminenses, foi eleito governador e criou uma casta que comandou os poderes do Estado por décadas.

Lembrando dele e de suas decisões para proteger os filhos, lembro o comentário à imprensa esportiva de um certo técnico de futebol sobre determinado jogador paulista: “Vocês estão criando um monstro”. O tempo provou que o tal técnico não se equivocou. Já a boa parte dos eleitores paga até hoje um preço altíssimo por suas escolhas. A outra parte também.

A diferença de lá para cá não é apenas um lapso temporal. Deixaram o monstro à vontade. O resultado é que, apesar das incursões federais, o monstro da cidade sem lei tomou formas e atualmente é indomável. A realidade política do Rio de Janeiro, com reflexos lógicos na segurança, trilhou caminhos que a fantasia de muita gente jamais imaginou.

Com maioria de votos do povo da cidade e do Estado do Rio, um ex-deputado federal sem projetos e fã de torturadores foi eleito presidente da República. Nada demais para um eleitorado que, em 1988, elegeu o Macaco Tião prefeito do Município do Rio de Janeiro. A brincadeira de protesto foi levada a sério. Tanto que, tempos depois, a mesma população elegeu prefeito um pastor evangélico, cuja única expertise era recolher os dízimos dos incautos.

Infelizmente, é grande o risco de a cidade não ter mais amanhã. Talvez o Rio não recupere mais o rótulo de maravilhoso, mas, antes que matem mais turistas, médicos, engenheiros, motoristas, crianças, jovens donas de casa e que assaltem, esfolem e subjuguem trabalhadores e cidadãos de bem, é chegada a hora de governantes e eleitores pararem com a palhaçada entre direita e esquerda.

A ordem é lutar contra o mal. Para isso, pelo menos temporariamente, que esqueçam de colocar o besteirol ideológico à frente de propostas concretas em benefício da sociedade do Estado. Ou o Brasil se une em defesa da cidade ou o Rio de Janeiro, que já registrou temperaturas acima de 40 graus, se transforma num caldeirão de lama em brasas e a céu aberto. Um inferno ele já é.

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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