Em ano de recessão, dezenas de cidades cancelaram desfiles oficiais de Carnaval por falta de recursos. Em Minas Gerais, São Paulo e até em capitais do Nordeste, como Maceió, a queda na arrecadação de impostos obrigou prefeituras a fazer ajustes nos festejos.
Em muitos casos, o cancelamento das festas ocorre em cidades em que o Carnaval não tem potencial turístico ou onde tradicionalmente há poucas celebrações. Além disso, o principal atrativo do Carnaval em várias dessas cidades são os blocos de rua, que foram mantidos, em detrimento dos desfiles oficiais.
Foi assim em Porto Ferreira, no interior de São Paulo, onde a prefeitura cancelou o cortejo, que custaria 150 mil reais. Em sua página no Facebook, a administração afirmou que vai investir o valor na compra de uma ambulância. O post teve milhares de compartilhamentos e diversos comentários de apoio, destoando das outras publicações da página, menos populares.
Segundo a prefeitura, é a primeira vez que o desfile é cancelado por motivos econômicos. “O bloco mais antigo da cidade completa 82 anos em 2016”, afirma a administração, que se orgulha da tradição do Carnaval na cidade.
Cidades maiores do estado de São Paulo, como Sorocaba e Campinas, passam por situação similar. A primeira suspendeu os repasses para as escolas de samba, mas o desfile deve ocorrer mesmo assim. A prefeitura alega que, além da crise econômica, questões jurídicas relacionadas à liga local impediram o encaminhamento da verba.
Já Campinas vai ficar sem desfile, o que representou uma economia 1,3 milhão de reais para os cofres públicos. Apesar de não ser um destino turístico, a Secretaria de Cultura diz que o Carnaval tem tradição na cidade.
“A gente tem notícia que o desfile das escolas acontece desde as primeiras décadas do século 20 e é a primeira vez que será cancelado por motivos econômicos. Ficamos muito tristes, mas vamos manter atividades das escolas ao longo do ano para impedir a perda dessa tradição”, afirma o diretor de Cultura da Prefeitura de Campinas, Gabriel Rapassi.
Mesmo cidades que atraem um grande fluxo de turistas tiveram que cancelar festas, como é o caso de São João del Rei, em Minas Gerais. A prefeitura do município ofereceu parcelar os repasses para as escolas, que decidiram então não realizar o desfile.
Segundo a prefeitura, os 350 mil reais que seriam gastos foram usados em operações tapa buracos e compra de medicamentos. “Não foi devido à crise e sim pela falta de entendimento entre as partes envolvidas”, afirma em nota a prefeitura, que espera receber 50 mil turistas para o Carnaval e conta com blocos de rua para garantir a festa.
Maceió também teve que zerar os repasses e vai ficar sem o tradicional desfile na orla de Pajuçara. De acordo com a Secretaria de Cultura, a pasta perdeu 40% do seu orçamento em 2016.
A capital de Alagoas não é um destino turístico carnavalesco – muitos moradores da cidade costumam viajar para Bahia e Pernambuco no feriado. Ainda assim, o município investiu 60 mil no desfile e 390 mil em blocos de rua em 2015. Segundo a prefeitura, os blocos e escolas de samba vão realizar suas atividades em núcleos em vários bairros neste ano, de forma descentralizada.
Polos turísticos – Para economistas, a decisão de cancelar desfiles de Carnaval é acertada, já que o PIB do país teve redução estimada de 3,7% no ano passado e deve encolher quase 3% em 2016, segundo consultas realizadas pelo Banco Central.
“Os municípios têm uma receita própria menor e estão sofrendo de forma severa com a crise. Nesse quadro, não restam muitas alternativas a não ser cancelar esse tipo de gasto. Do ponto de vista econômico é uma medida necessária e correta”, afirma o professor da FGV Alexandre Motonaga, especialista em tributação e políticas públicas.
Economistas ressaltam que suspender as festas só é produtivo para cidades que não recebem turistas nessa época do ano. Para grandes polos carnavalescos como Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Santa Catarina, o feriado movimenta a rede hoteleira e o comércio local.
Em alguns casos, como no Rio de Janeiro, a indústria do Carnaval gera receitas e empregos o ano todo. Apenas no feriado de 2015, 1,3 milhão de turistas visitaram o estado e gastaram 1,2 bilhão de reais, segundo o Ministério do Turismo.
“Essas cidades, que são minoria no país, precisam continuar dando apoio a essas atividades, porque elas têm um efeito multiplicador”, diz José Matias-Pereira, professor de Administração Pública da UnB.
Além disso, um corte brusco em destinos tradicionais de Carnaval teria impactos simbólicos negativos. “Há o aspecto intangível, da imagem da cidade, que precisa se manter como capital carnavalesca. Talvez seja possível reduzir o custo, mas cancelar não seria produtivo economicamente”, reforça Motonaga.
Em ano de Olimpíadas, a prefeitura do Rio dobrou os repasses para as escolas de samba, que receberam 2 milhões de reais cada uma.
Turismo nacional forte – O cancelamento de algumas festas não afeta o turismo nacional no feriado, segundo o Ministério do Turismo. Apesar da crise, os brasileiros não vão deixar de viajar no Carnaval.
De acordo com estimativas da pasta, o número de turistas e seus gastos durante o período terá um crescimento de 3% em relação ao ano passado. No total, cerca de 7 milhões de brasileiros vão viajar e, para isso, vão desembolsar 7 bilhões de reais.
“A crise afeta algumas cidades de menor porte, nas quais se fez uma análise e se chegou à conclusão de que o gasto [com os desfiles] não seria muito efetivo. Mas isso não afeta a estrutura [nacional] do ponto de vista econômico e turístico”, afirma o diretor de Estudos Econômicos e Pesquisas do ministério, José Francisco de Salles.
A expectativa das empresas de turismo para o feriado também está alta. De acordo com a Abav (Associação Brasileira de Agências de Viagens), a venda de pacotes turísticos deve aumentar 25% em relação a 2015.
A associação explica que as promoções do setor e o calendário favorável – o feriado tem data mais próxima do início do ano em 2016 – aqueceram a demanda.
“Ficamos surpresos, a gente pensava que o desempenho seria pior”, diz o presidente da Abav, Edmar Bull. “O brasileiro se endivida, mas não deixa de viajar.”