Crônicas periciais
Ciência encontra o sobrenatural na investigação de Filipe
Publicado
em“Acredito que há mais coisas entre o céu e na terra do que sonha a nossa vã filosofia.” – William Shakespeare
Filipe, um homem cuja mente era um labirinto intrincado de fórmulas e dados científicos, construído ao longo de anos de dedicação implacável, era um cético convicto. Via o mundo como um mecanismo de relojoaria, regido por leis físicas inabaláveis. Fenômenos sobrenaturais eram, para ele, meras ilusões, sombras dançando nas bordas da razão. Sua formação científica era uma armadura sólida contra qualquer especulação paranormal; cada evento inexplicável era um enigma a ser resolvido pela fria luz da lógica. “Acredito que há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia,” lembrava-se da citação de Shakespeare, mas a frase permanecia como uma exceção em sua visão de mundo, uma exceção que ele esperava não ter que confrontar.
O destino, porém, com seu humor sinistro, o desafiou. Foi chamado para investigar uma casa mergulhada em crescente terror desde o nascimento de Samuel, um bebê. Após sua chegada, eventos estranhos começaram a assombrar o lar. Objetos pegavam fogo espontaneamente – caixas no porão, móveis na sala, até as paredes do quarto do bebê. Os incêndios eram extintos, mas ressurgiam em novos locais, sempre próximos ao recém-nascido. Parecia que o inferno havia encontrado morada ali. Filipe, lembrando-se da possibilidade de combustão espontânea, falhas elétricas ou armazenamento inadequado de substâncias químicas, iniciou sua investigação buscando evidências dessas causas.
Filipe foi recebido por Carolina, a mãe, cuja fragilidade era palpável. Ela relatou que, desde o nascimento de Samuel, um mistério envolvia a casa, um mistério que a apavorava cada vez mais. Além dos incêndios, o bebê desaparecia do berço, reaparecendo em outros cômodos, como teletransportado.
Uma vez, Carolina o encontrou no tanque de água da área de serviço, encharcado, mas milagrosamente vivo. Dias depois, tragicamente, o bebê faleceu por causas inexplicáveis, como se a vida tivesse sido drenada dele. Carolina descreveu outros fenômenos absurdos: a água da torneira fluía para cima; o conteúdo das gavetas flutuava até o teto, como se a casa estivesse de cabeça para baixo. Filipe, considerando a possibilidade de percepção perturbada e histeria coletiva, causadas pelo estresse pós-parto de Carolina e a influência de sua narrativa nos relatos, anotou cada detalhe, buscando diferenciar a realidade da sugestão. A possibilidade de alucinações e transtornos dissociativos também foram considerados, especialmente após a perda traumática do bebê.
Mas, ao explorar a casa, descobriu algo que desafiava suas convicções. Ele encontrou marcas de queimadura formando padrões peculiares, como filetes de líquido escorrido de baixo para cima, em direção ao teto. O fogo, em vez de surgir da base, parecia ter descido de cima, desafiando todas as leis da física e, consequentemente, a razão. A hipótese de combustão espontânea, embora possível, não explicava a direção do fogo. A possibilidade de anomalias eletromagnéticas, capazes de afetar a percepção e criar ilusões, ganhou força. Intrigado, Filipe decidiu investigar mais a fundo.
No tanque onde o bebê havia sido encontrado, a água estava anormalmente fria, e pequenas ondas surgiam na superfície, como se algo invisível estivesse agitando-a de dentro para fora. Ao tocar o tanque e olhar seu reflexo, congelou ao perceber uma sombra flutuando atrás dele. A possibilidade de alucinação, intensificada pelo ambiente e pela tensão emocional, era uma hipótese a ser considerada, mas a persistência dos fenômenos e a gravação da mancha escura na parede questionavam essa explicação.
De volta ao quarto, uma presença densa pairava no ar. Sua câmera registrava tudo. Ao rever as imagens, viu uma mancha escura movendo-se pela parede, ascendente, até o ponto exato onde uma das queimaduras havia começado. A hipótese de fenômenos de poltergeist e psicocinese – eventos inexplicáveis associados a crianças ou adolescentes sob estresse – tornou-se uma possibilidade cada vez mais plausível, apesar de não ser aceita pela ciência tradicional.
A cada nova descoberta, sua crença na razão e na lógica se desvanecia. As anotações se acumulavam, mas as respostas continuavam evasivas. A casa, com seus segredos e mistérios, parecia estar viva, pulsando com uma energia que ele não conseguia compreender.
Em um momento de clareza, Filipe percebeu que estava em uma encruzilhada. A ciência que sempre guiara sua vida estava sendo severamente testada. Ele se perguntou se deveria continuar a buscar respostas nesse labirinto de fenômenos inexplicáveis ou se deveria aceitar que havia realidades além de sua compreensão.
Naquela noite, enquanto o vento uivava lá fora, Filipe sentou-se em meio aos seus rascunhos e gravações, refletindo sobre tudo que havia testemunhado. As marcas de impacto no teto eram apenas mais uma evidência de que as regras do universo estavam sendo desafiadas. Ele havia entrado naquela casa como um cético, mas agora, à luz das evidências, sua visão do mundo começava a se desfazer como fumaça ao vento.
E assim, Filipe se viu à beira de um abismo de incertezas, ciente de que, ao desvendar os mistérios de Samuel e sua casa, ele poderia não apenas descobrir verdades ocultas, mas também confrontar os limites de sua própria sanidade. A linha tênue entre ciência e sobrenatural se tornava cada vez mais difícil de definir.