No dia 5 de outubro de 2006, um cientista neozelandês macerou 18 tabletes de morfina e os diluiu em um copo d’água. Deu a bebida para sua mãe, doente terminal de câncer cervical.
“Houve grande alívio depois que ela bebeu (a mistura). Então sentei ao lado dela e conversei sobre minhas memórias de infância. Uma hora depois ela perdeu a habilidade para falar e caiu no sono. Eu também dormi, e quando acordei ela tinha morrido”, conta Sean Davison, que escreveu um livro para contar a experiência.
No entanto, as autoridades da Nova Zelândia, onde morava a mãe do cientista, tiveram outra opinião: em 2011, Davison foi a julgamento por homicídio doloso. O caso provocou imensa polêmica, mesmo depois de o professor ter a pena revertida para o crime de incentivo de suicídio, que levou a uma punição bem mais branda: cinco meses de prisão domiciliar.
Diário – Os eventos levaram Davison a se tornar um ativista pró-eutanásia. Ele fundou a Dignity SA (“Dignidade SA”, em tradução livre), ONG que faz lobby na África do Sul para a criação de uma lei permitindo o suicídio assistido. E se tornou um porta-voz para a causa, mesmo que isso inclua um constante retorno para a situação pela qual passou.
“Quando minha mãe estava doente, minha cabeça estava voltada para mantê-la viva, mesmo com sua saúde se deteriorando na minha frente. O dia em que ela me pediu que a ajudasse a morrer foi um choque. Passei dias refletindo sobre o pedido, até que finalmente percebi que a decisão não era minha, e sim de minha mãe. Quem era eu para dizer para minha mãe que ela não poderia morrer e que teria de continuar apodrecendo em uma cama?”, questionou o cientista em uma entrevista para o programa de rádio Outlook, do Serviço Mundial da BBC.
Patricia, a mãe de Davison, era médica. E, durante sua agonia, recusou tratamento, segundo o filho. Ficou paralítica e perdeu o paladar, o que a levou a fazer uma greve de fome para tentar acelerar sua morte. “Ela não conseguia mais ler e pintar, que eram seus principais hobbies, porque também perdeu a habilidade de mover os braços. Quando ela parou de se alimentar e pediu que não a levássemos para um hospital, achei que sua morte seria rápida. Mas cinco semanas se passaram e ela ainda continuou viva.”
O cientista era o filho caçula e não contou a nenhum dos irmãos que ajudaria a mãe a morrer. Mas escreveu um diário relatando a experiência, que enviou para uma irmã. “Ela me disse: ‘você tem que publicar isso’. Era um documento do que tinha passado, foi uma forma de lidar com o estresse de tudo o que aconteceu. Minha irmã é assistente social e várias vezes tinha se deparado com casos em que parentes ajudaram entes queridos a morrer. Ela achava que tornar minha experiência pública poderia ajudá-los a ver que não estavam sozinhos”, lembra.
Porém, outra irmã do cientista não apenas foi contra a publicação como entregou uma cópia do diário para a polícia neozelandesa. “Não achei que precisava consultar meus irmãos. Primeiro, porque todos sabiam que minha mãe não queria ir para o hospital. Segundo porque nenhum deles estava cuidando dela. Eu é que estava sozinho com ela, testemunhando sua agonia. Também não era uma decisão deles. Era da minha mãe.”
Davison conta ter ficado chocado com a prisão e com o processo judicial. “Não fui julgado apenas pela Justiça, mas pela mídia e pela sociedade. Para aqueles que me criticam, só peço que se coloquem no meu lugar antes de emitir opiniões.” Durante o caso, a Suprema Corte da Nova Zelândia recebeu uma carta do arcebispo sul-africano Desmond Tutu pedindo clemência no julgamento do cientista.
Durante o tempo em que passou preso em sua estranha “prisão domiciliar” (ele vive na África do Sul), Davison diz ter sido contatado tanto por pessoas que tinham participado de suicídio assistido quanto por aquelas que buscavam ajuda para realizá-lo. Mas também recebeu ameaças.
“A Nova Zelândia é um país muito religioso e o suicídio assistido é uma questão delicada. As pessoas não param para pensar na morte, a não ser na hora em que precisam lidar com ela. Não acho que ninguém precisa deixar de ser preocupar com a vida, mas ter consciência de questões relacionadas à morte é importante”, finaliza.
BBC – Brasil