Político de mil e uma caras e de múltiplas utilidades, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) é o tipo de homem público que nada somente a favor da maré. Contra, só se na outra margem houver um pote de ouro ou um recado informando que é a extremidade vermelha do arco íris que continuará dando bons frutos em 2026. Quando não há maré, ele segue o vento Minuano, que vem do Sul, mas costuma fazer baldeação no Piauí. O negócio é não perder o lado positivo das coisas. Caso se arriscasse no futebol, certamente diria ao técnico no primeiro treino que joga nas 11, cobra lateral, corre pelas pontas, bate escanteio, cabeceia e, se for preciso, faz gol contra e “corre pra galera”.
Ex-aliado de Deus e do Diabo, o nobre parlamentar não dorme no ponto e nem deixa o ônibus passar. Em resumo, não perde viagem. Ele é aquele para quem é melhor dormir sem jantar do que se levantar com dívidas. Apesar de claramente trair sem a necessidade de coçar, o senador usa como justificativa uma lição singular: só os inimigos não traem nunca. Há controvérsias. Por exemplo, para quem está de fora não há pior inimigo do que um falso amigo. Para os filósofos, no entanto, nada há de mais perigoso do que um amigo ignorante. Mais vale um sábio inimigo.
Filosofia e questionamento acerca da conduta alheia à parte, o fato é que, em pouco menos de uma década, Ciro Nogueira foi do céu ao inferno com apenas dois pulos e muita falação. “Parceiro” de Luiz Inácio durante um mandato, passou pelo governo Dilma Rousseff com incômodos raros até o impeachment se tornar irreversível e aportou para ficar na gestão de Jair Bolsonaro. Com os dois olhos bem abertos e as mãos espalmadas, esteve sentado por quatro anos do lado direito do capitão. Ficou mais algum tempo, período usado para atacar e desgastar a administração e a pessoa de Lula da Silva. Fez isso enquanto os antidemocratas enxergavam alguma chance de retorno ao Palácio do Planalto.
Nessa época, só não chamou Lula de santo. Como o tempo passa e às vezes voa, chegou a hora de começar a pensar em 2026, quando expira seu mandato de senador. Embora sejam duas vagas, a campanha para a chamada Câmara Alta precisa de amparo legal de eleitores da direita, da esquerda, do centro e, principalmente, dos sem lado. Com Bolsonaro inelegível e com possibilidade quase zero de o ex-presidente subir no seu palanque da reeleição, Ciro Nogueira, ainda presidente nacional do PP, decidiu cantar para subir antes que o poleiro estivesse lotado. ele terá de tentar a reeleição. Ou seja, amigos, amigos, eleições à parte.
Eis a razão pela qual o senador escreveu na semana passada um artigo se definindo como um político de centro. Na verdade, seus escritos o definem melhor como ambidestro, aquele que, conforme a posição, chuta com as duas. Do alto de sua malandragem política, aproveitou a Folha de São Paulo para se mostrar crítico feroz da polarização e afirmar que “o centro nunca foi direita nem esquerda”. Expert em saídas pela tangente, Ciro que, mesmo sendo Nogueira, não é tão robusto como o tronco da árvore que lhe empresta o sobrenome, voltou a ser o Ciro que o Brasil inteiro conhece a partir do desgaste político, jurídico e policial de Jair Bolsonaro, até semana passada o melhor e mais bonito dos presidentes que o Brasil já teve.
Embora alguns colegas de Parlamento minimizem o afastamento de Ciro justamente no momento em que o ex-presidente vive seu inferno astral, para a maioria o “cansaço” dos extremistas ocorreu por conta da necessidade óbvia de manter o jogo duplo. É a máxima de que a ocasião faz o ladrão. Afinal, ninguém se reelege senador somente com os votos de um segmento ideológico. Ciro Nogueira talvez não seja mesmo de direita ou de esquerda. Todavia, o anunciado princípio de decantação esbarra na quadra em que esteve sentado na cadeira de ministro da Casa Civil, função tida e havida como o “coração do governo”. Ele foi ministro exatamente na estação em que se discutia o golpe. Portanto, não é tão fácil para alguém que presencia uma trama dizer que dela só ouviu falar. Chamo isso de busca incessante pelo poder.
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Sonja Tavares é Editora de Política de Notibras