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Ciro, com Messias fora, vira de lado como se Jesus traísse Judas

O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira , e o presidente da República, Jair Bolsonaro, participam da cerimônia de Lançamento de Novas Entregas do Programa Renda e Oportunidade

Dia desses, nada por fazer e sem novidades boas para escrever, resolvi dar uma passada d’olhos numa dessas entrevistas que a gente só lê no banheiro, mais precisamente no vaso sanitário e fazendo cara feia. Perdi meu tempo, mas valeu a pena, pois aprendi o quanto a desfaçatez, o desvirtuamento de conduta e a cara de pau ajudam um ser humano a se acreditar bom, correto, cumpridor de deveres, quase divino e, principalmente, acima de qualquer suspeita. Antes de explicitar a referência, lembro que o cidadão em questão não lograria êxito ao passar por um detector de mentiras de brinquedo. Ele não mereceria minha lembrança, mas, como diz o sábio e popularíssimo ditado, quem fala o que quer merece ouvir – ou ler – o que não quer.

Com algum pesar pelo tempo perdido, refiro-me ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro do mito, e conhecido nacionalmente por servir a vários senhores e pelo envolvimento em numerosas situações nada republicanas, incluindo a divisão do comando do poderoso, asqueroso e terrivelmente oneroso Centrão. Percam dez segundos de pesquisa na Wikipédia e conhecerão, com riqueza de detalhes, a honrosa, brilhante e dedicada vida do parlamentar às causas do povo. É um craque na arte de estar ao lado de quem está no poder. Foi assim com Jair, com Dilma, Haddad e Luiz Inácio, com quem dividiu outdoors na campanha de 2018, a mesma que, lamentavelmente, elegeu o engodo chamado Bolsonaro. Traiu a todos, como Judas traiu Jesus. Aliás, isto ocorreu somente por conta da Bíblia, porque, para o bolsonarismo, foi Jesus quem traiu Judas. Coisas que nem Freud conseguiu explicar.

“Sou Lula por reconhecimento e gratidão, por tudo que ele fez pelo Nordeste e pelo Piauí, em especial”, regurgitou Nogueira nos palanques de 2018. As fotos da época não me deixam mentir. Pois bem. Voltando à obrada cironiana, li o onipotente, onipresente e ubíquo senador afirmando que, 100 dias após instalado, o governo Lula ainda não começou. Para ele, Luiz Inácio é um líder defasado e mais empenhado em perpetuar um projeto de poder do que em resolver os problemas nacionais. Interessante o recibo de Ciro Nogueira. Foi justamente o que ele fez em boa parte do governo do Jair, ao qual se vinculou exclusivamente por conta da série de vantagens que conquistou. Não vamos entrar no mérito. Ele ganhou caminhões trucados de benesses, mas nunca imaginou ser atropelado pela locomotiva chamava Luiz Inácio.

Se a ideia era agradar quem lhe tirou do ostracismo, Ciro Nogueira perdeu a grande chance de ficar calado. Ele conhece Lula, Dilma, Temer e o PT por dentro e por fora. Circulou pela cozinha e pela Petrobras da legenda. Sobre Bolsonaro, a quem considera o “grande líder da oposição”, vale lembrar que o nobre senador foi um dos principais mentores do “grande presidente” quando a desgraça e o fracasso começaram a rondar os palácios. Ou seja, contribuiu para exaurir o que já estava no fim. Duvido, aposto, assino e rubrico onde quiserem que ele vai usar força máxima para tirar o mínimo do governo Lula. Ciro Nogueira pode ser de tudo um pouco, mas é esperto. Se não fosse, diria na entrevista (que não chegou ao Piauí) o que aprendeu ou ensinou a Jair Messias nos últimos quatro anos. Aliás, teve a oportunidade e não listou o que produziu de bom ou de útil no período para seu estado e para o país. Nada além do que poderia lhe beneficiar.

Vale lembrar ao senador que a coerência que ele cobra de Lula nunca existiu no governo a que serviu. Aliás, dizer que o dito cujo serviu a este e àquele governo é redundância. A qual ele não serviu ou não se envolveu? Quanto aos números ainda claudicantes da atual administração, é verdade que eles não são bons, mas não derreterão, como ocorreu com seu queridinho golpista e como era do seu desejo. O senador entende que Lula não se atualizou e, por isso, não deveria ter voltado. Ele (Ciro) é atualizadíssimo. Tanto que, para os que dispõem de um mínimo de inteligência, a entrevista lida por mim enquanto obrava foi um recado direto a Luiz Inácio, presidente eleito democraticamente e a quem Ciro Nogueira dedica extremado carinho. Alguém tem dúvida? Eu tenho, mas, do ponto de vista da personalidade, sou obrigado a concordar com o nobre parlamentar. Afinal, ele perdeu a boquinha e dificilmente retomará os holofotes do poder.

Parece que seu histórico de ser base aliada de governos petistas chegou ao fim. Ou não? Pode ser que ainda haja uma chance. E ela está por vir. Apesar do amor quase “visceral” devotado ao mito de barro, o senador piauiense está esperando somente a senha do Tribunal Superior Eleitoral para tentar voltar ao seio da “família do PT”. Ciro baterá à nova velha porta tão logo a Corte Eleitoral crave o martelo sobre a inelegibilidade do capetão. Novamente alguém duvida? Eu não. Difícil será sua acolhida. O tempo – sempre ele – dirá. Por isso, não há lugar mais aprazível do que o vaso sanitário para ler esse tipo de entrevista. Antes de novos holofotes de tentar inverter a ordem, sugiro ao senador um intensivão no seu estado natal, onde poderá pensar um pouco mais no país. Depois disso, cresça e apareça. Repito que dizer que o Messias era um santo é o mesmo que afirmar que Jesus Cristo traiu Judas. Avaliando os quatro últimos governos, quem foi mesmo o Judas? Quem? Quem? Quem? Com Messias fora do páreo, sobrou para Jesus. Meu Deus!

*Mathuzalém Júnior é jornalista profissional desde 1978

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