Disse e repito que não acredito em uma vírgula das últimas declarações do presidente da República, entre elas a de que teria extrapolado nos discursos de 7 de Setembro e a promessa de que não melará a eleição. Ora, antes tarde do que nunca o reconhecimento de iminentes derrotas. Nada mais do que isso. Por mais gritantes e hediondos que sejam, os erros jamais serão reconhecidos. Portanto, duvido que o estilo paz e amor ultrapasse a página. Talvez nem a alcance. Considerando as recentes reações do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Superior Eleitoral, de boa parte do Congresso e das Forças Armadas e, sobretudo, das ruas, recebo essas afirmações como um natural recuo de quem perdeu o restinho da força que supunha ter. Não tem e certamente nunca a teve. Daí, o emparedamento e os arregos públicos.
A ida às Nações Unidas e o pronunciamento exclusivamente para agradar os seguidores do cercadinho são a prova da desidratação político-partidária do mito. Entretanto, isso não significa jogar a toalha. Podemos esperar tudo de quem estamos falando, inclusive nada. Vale a pena aguardar os próximos sacolejos do tabuleiro de xadrez. Acho que o xeque mate virá, mas ainda longe. Enquanto houver pelo menos meia dúzia de fanáticos dispostos a distorcer fatos ou entendê-los conforme seus interesses ou necessidades psiquiátricas haverá um mito mal intencionado. O exemplo mais recente ocorreu semana passada em Nova York, durante a participação do Brasil na Assembleia-Geral da ONU, quando o chefe da nação, ministros e assessores resolveram almoçar pizza em uma das calçadas da cidade.
Simples, o motivo rodou o mundo: ele não pode entrar nos restaurantes nova-iorquinos porque não comprovou a vacinação contra a Covid-19. Para os seguidores do bolsonarismo, no entanto, essa afirmação é mentirosa. Entre os apoiadores, a foto foi “vendida” e “comprada” como prova da simplicidade do mito, cujo marketing barato não passa de sua base, ou seja, fica limitada ao cercadinho. Pior foi o discurso. Abarrotado de impropriedades – eufemismo de mentiras -, o texto desagradou até o condutor do trem do metrô da linha que vai de Manhattan até o Bronx e o Harlem. Para o segmento que mata ou morre pelo líder da seita, o pronunciamento deve ser picotado e transformado em frases para os para-choques dos caminhões verde e amarelo. Será fácil identificá-los.
O problema é sério. Obrigado a ouvir ou ler discursos fora da realidade e cada vez mais distantes da fome, do desemprego, da inflação, da crise econômica e da pandemia, às vezes duvido de minhas convicções políticas. Na verdade, nem sei se ainda as tenho. Se as tiver, será que o fato de torcer pela democracia e defender com ufanismo o Brasil como rincão de todos me transformou em comunista? Será que escrever periodicamente contra teses golpistas me faz menos brasileiro? Tenho receio de ser espancado e morto por ter certeza de que os quase 600 mil mortos não são invenção da TV Globo. Da mesma forma, não consigo apagar da memória que a gasolina custa hoje mais do que o automóvel.
Como fingir que, entre janeiro de 2019 e junho deste ano, pelo menos 2 milhões de famílias brasileiras tiveram a renda reduzida e caíram para a extrema pobreza? E não é mais uma mentira do pessoal da esquerda, já que os números são do Cadastro Único do governo federal, o chamado CadÚnico. Em dezembro de 2018, no governo de Michel Temer, eram 12,7 milhões nessa situação. Com Jair Messias na Presidência, esse número chegou a 14,7 milhões. E lembrem que que, para os bolsonaristas, os governos Lula e Dilma por pouco não nos levaram à venezuelização. Acreditem ou não, insisto na afirmação de que não sou petista. Todavia, não posso negar que morro de saudades dos tempos dos discursos iniciados com o bordão “Nunca na história desse país…”. Em 2018, a eleição foi vencida democraticamente por alguém que jurou honestidade, prometeu combater a corrupção e esganiçou contra supostos ladrões de um passado bem recente.
E o que mudou? Estamos com mil dias de um governo de superlativos nos quesitos pobreza, inflação, fome, morte e compra superfaturada de vacinas. Ou não? Será mais uma sacanagem da Globo Lixo? Talvez seja o caso de a CNN reconsiderar a demissão sumária do negacionista e mentiroso Alexandre Garcia, contumaz na “venda” do tratamento precoce contra a Covid-19. Entre uma e outra apologia da cloroquina, ele realmente foi um dos mais importantes porta-vozes das baboseiras palacianas. Prova disso são os lucros de “Gracinha” com a divulgação de notícias falsas. Impressionante, mas isso a Record e a Jovem Pan não mostram. Por tudo isso, não olhei Veja. Prefiro esperar para descobrir se meu retardo mental um dia me permitirá ser normal como aqueles que acreditam no silêncio do presidente. Tenho medo do sorriso de um menino mijado. Melhor o grito surdo do que querer uma fralda nova.