Gervásio, apesar de não ser mudo, nunca teve voz na própria casa, desde que fora fisgado por Vilma, a então mais charmosa garota da quadra. Sem tempo para pensar, muito menos para agir, se deixou levar pelos momentos de alcova, que, sejamos sinceros, foram muito generosos para um rapazola sem muitos atrativos.
Vilma, impetuosa e mandona, fazia gato e sapato do namorado. Se o traía, não se pode afirmar, mesmo porque. naqueles tempos, tirar uma fotografia indiscreta era complicado. Um flagrante, por sua vez, era algo quase impossível, ainda mais para um rapaz tão crédulo que nem o Gervásio. Mas deixemos as fofocas de lado, pois o que importa é que, ainda hoje, passados quase 30 anos, aqueles dois pombinhos continuam andando de mãos dadas por aí.
Andar de mãos dadas é força de expressão, pois o que se via era Vilma arrastando o marido. Ele até tentava acompanhar os passos da esposa e, não raro, tropeçava em algum desnível da calçada. Todavia, nada que uma cara de brava não resolvesse. Gervásio tratava logo de se aprumar para não atrasar a paixão da sua vida.
Aos 45 anos, Vilma era dona do próprio nariz. Não apenas do dela, mas também de outros. Nenhum dos filhos se atrevia a contestá-la. O marido, então, bem sabia que até para tirar meleca da própria narina precisava de autorização da mulher.
Pois o que aconteceu na semana passada ali na loja Alves Cobertores deu o que falar. Como sei que aconteceu? Sei porque fui bem informado por uma amiga, que tem uma prima de segundo grau, que é próxima a uma funcionária dessa loja, que até estava de folga nesse dia, mas soube por um colega de trabalho.
Mês de julho, quando o frio aperta os mais desprevenidos, lá foi o Gervásio em busca de algo para protegê-lo nas noites gélidas, que, como todos os que moram por estas bandas, sabem como são. Mal pisou na Alves Cobertores, foi prontamente atendido pelo vendedor, justamente aquele colega da tal funcionária, que é próxima da prima de segundo grau da minha amiga.
— Bom dia, senhor Gervásio! O que o senhor deseja?
— Um bom cobertor, Afrânio.
— Temos um excelente de casal e que está na promoção.
— Não. Procuro um de solteiro mesmo.
— Ah, pensei que fosse para o senhor e para a dona Vilma.
— Não. É apenas pra mim.
— Ué, e para a dona Vilma?
— Aquela nunca passa frio. Está sempre coberta de razão.