Maré de Páscoa
Coelho vai e volta como as ondas do mar nordestino

Na minha casa, a Páscoa sempre teve cheiro de mar. Enquanto outras famílias se preparavam para o tradicional bacalhau, minha avó já madrugava no mercado de peixe atrás das joias do oceano, como camarões suculentos, lulas macias, mexilhões que ainda cheiravam à brisa salgada. “Fruto do mar é comida de alma leve”, dizia ela, com um sorriso salpicado de sal grosso, enquanto lavava as vôngoles com carinho de quem cuida de neto.
Na Sexta-feira Santa, a cozinha virava um navio em alto-mar. Nada de carne vermelha — o silêncio da carne dava lugar à canção do mar. Tinha moqueca de camarão com leite de coco, peixe assado com ervas frescas e um arroz de polvo que chegava à mesa soltando fumaça e lembrança. “Hoje é dia de respeito”, dizia meu avô, enchendo o prato com reverência, como se cada garfada fosse uma oração.
No sábado, a cozinha ainda fervia. Era dia de preparar o que não deu tempo, aproveitar os ingredientes que sobraram e inventar novas combinações. Casquinhas de siri gratinadas, espetinhos de lula na brasa e um ceviche fresco que parecia ter sido pescado ali mesmo, na esquina. “Sábado é de espera, mas quem espera comendo bem, espera melhor”, brincava minha tia, sempre com uma taça de vinho branco na mão.
E então chegava o Domingo de Páscoa — dia de renascimento. Mas por aqui, quem renascia era a alegria ao redor da mesa. O almoço era um banquete marinho: lagosta com manteiga de ervas, peixe ao forno com crosta de castanha, salada de frutos do mar com manga. No meio da mesa, um ovo de chocolate, claro — mas cercado de conchas e camarões, como quem entende que celebração também é mistura.
A Páscoa, por essas bandas, nunca foi só religião — foi ritual de família, de cozinha cheia, de risadas altas, de louça empilhada na pia. O mar, com seus sabores e suas histórias, sempre foi o nosso modo de agradecer, de recomeçar, de nos lembrar que a vida — assim como a maré — vai e volta, e sempre nos traz algo novo.
