José Escarlate
O Émerson Sousa, uma dos repórteres mais moleques que conheci, careca por acaso, da Folha de S. Paulo, lembra uma historinha ocorrida na velha sala de imprensa do terceiro andar do Palácio do Planalto, durante o governo Geisel, envolvendo a Lizete (não lembro o sobrenome), uma repórter inocente do O Liberal, de Belém. A menina, diga-se de passagem sem querer fazer fofoca, tinha um cacho com o chefe da sucursal.
Segundo o Émerson, ela, a geladeira, ficava num cantinho da última sala do comitê – eram três, junto à mesa do Renato Pinheiro. Vez por outra, apesar de antiga – a geladeira, claro – nos atendia com água gelada, sempre que possível. Mas tinha – ainda a geladeira – uma doença crônica de vedação da borracha da porta, fazendo com que o gelo acumulado na portinhola da parte do freezer pingasse constantemente. Apesar de quebrar um galho nos dias mais quentes, havia outro inconveniente. Não havia copos descartáveis.
Pingos d’água – Os repórteres mais antigos ali credenciados, previdentes, possuíam copos de vidro, daqueles de requeijão. Os copos tinham uma marca feita pelo dono e eram depositados na prateleira interna da porta. Mantê-los gelados era tarefa impossível, pela falta de vedação. Ficavam ali e os pingos do degelo da parte superior do freezer caiam dentro deles, enchendo alguns e deixando outros pela metade. Essa água era jogada fora pelo dono do copo na hora de beber.
Bola levantada – Mês de agosto, um dos mais secos em Brasília, calor bravo, início da tarde, a Lizete, que era taquigrafa do Senado e repórter no Planalto, após atravessar a Praça dos Três Poderes chegou esfalfada ao comitê. Correu à geladeira para aliviar a sede. Não havia nenhuma garrafa d’água, como de costume. A moça não teve dúvidas. Pegou um dos copos com a água do respingo e começou a beber.
De longe, o Émerson, com aquele ar de santo, vendo a “bola levantada” preparou-se para chutá-la. E indagou, fazendo cara de surpresa: “Você está bebendo dessa água?” A Lizete, que já bebia a metade de outro copo, parou e perguntou meio assustada: “Por que ?” E o Émerson, mais caridoso do que nunca concluiu: ” É nesses copos com essa água que os repórteres mais velhos daqui deixam a dentadura de molho, após o expediente”. Ela deu um pulo, jogou o copo dentro da geladeira e saiu cuspindo para vomitar no banheiro.