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Coletivo Estopô Balaio revisita Central do Brasil

Foto/Divulgação

O Coletivo Estopô Balaio propõe uma vivência cênica ao mesmo tempo poética e realista em viagens pelos trens da CPTM no projeto Nos Trilhos Abertos de um Leste Migrante, contando histórias de migrantes e imigrantes que escolheram São Paulo para construir suas vidas.

Instalado no Brás e no Jardim Romano, bairros da zona leste da capital paulista, os atores do grupo passaram cerca de um ano e meio escrevendo cartas para usuários das linhas de trem da região, bem ao estilo do filme Central do Brasil. As cartas, conta o diretor João Júnior, eram “um dispositivo para se aproximar da memória migrante da cidade”, já que o público que mais os procurava vinha de outras terras, e sem a pretensão inicial de se transformar a experiência em um espetáculo.

“Nós percebemos que nesse processo não era só o Nordeste que chegava perto da gente para escrever as cartas, mas uma América Latina ali se configurando na zona leste. Então, escrevemos cartas para bolivianos, haitianos, colombianos, peruanos¸ mexicanos”, diz João.

Chamou a atenção do coletivo o fato de que os destinatários das missivas eram, em sua maior parte, programas de televisão com viés assistencialista e as mães dos remetentes. “Quando você migra, uma das coisas que você perde é o acolhimento. A cidade, na maioria das vezes, nem sempre te acolhe”, afirma João, ele mesmo um migrante, natural de Natal, há nove anos morando em São Paulo. Além do Rio Grande do Norte, há integrantes do grupo, criado em 2011, vindos da Paraíba, Pernambuco e Ceará, assim como filhos de nordestinos. Há ainda gente da Alemanha.

Mais tarde, diante do rico material reunido, o diretor desenvolveu a dramaturgia do tríptico baseado nas histórias reais da boliviana Martha e seu filho Erick (Carta 1 – A Infância, a Promessa), da pernambucana Janaína (Carta 2, A Vida Adulta, a Mulher) e do mineiro Sr. Vital (Carta 3 – A Velhice), com a colaboração de Ana Carolina Marinho nas duas últimas. Todos os personagens reais participam das respectivas encenações, apresentadas em dias alternados.

Muito emocionada, a costureira Martha conta à reportagem que deixou seu país sem avisar o pai, com a palavra de uma amiga de que no Brasil conseguiria um bom emprego. Como acontece com muitos de seus compatriotas, a realidade se apresentou mais complicada – já no trajeto, a situação foi se mostrando diferente do combinado e, por aqui, passou inclusive por trabalho escravo, segundo relata.

Mas o que motivou Martha a contar sua história para João, que escreveu sua carta na Estação Brás, foi uma promessa que fez a si mesma: deixar o cabelo do filho crescer para ser cortado pelo avô, na Bolívia. Mas quando finalmente conseguiu visitar o pai em seu país de origem, ele não se sentiu à altura de cumprir a promessa da filha e o menino voltou ao Brasil com o cabelo comprido. Martha, então, queria levar sua história para um programa de TV, mas, sem dominar o português, recorreu à ajuda do coletivo para escrever sua carta.

Único dos três espetáculos montado em um palco tradicional – na Escola SP de Teatro do Brás -, o mote da experiência de Erick, agora com 12 anos, e de sua mãe fez João traçar um paralelo com as relações comerciais, de afeto e de poder entre os países vizinhos, influenciado pelas reflexões do escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) no livro As Veias Abertas da América Latina.

“A gente quis brincar um pouco com essa memória da escola, da educação, mas partindo do princípio de que a nossa sala de aula é feita por crianças-países latino-americanos e a professora é a História, que está ali o tempo todo a educar através da opressão a esses países”, afirma o diretor.

Já as apresentações das Cartas 2 e 3 ocorrem durante a viagem do trem da CPTM, a partir do Brás, até as estações Guaianases e Rio Grande da Serra, respectivamente. Os inscritos para assistir a cada uma das peças (nesses dois casos, gratuitas, pagando apenas a passagem) recebem fone de ouvido e aparelho de MP4 para acompanhar a montagem. Mas o coletivo sempre tem alguns itens a mais para que os passageiros comuns fiquem integrados ao que acontece ao redor deles.

A história sobre Janaina, que trabalha como segurança da Estação Brás, realiza seu sonho de adolescente: ter uma festa de 15 anos Foi com essa idade que ela foi obrigada a se casar e, por 18 anos, viveu um relacionamento abusivo com o marido. Há seis anos, Janaina chegou a São Paulo deixando o distrito de Bonança, na zona da mata de Pernambuco, para se ver livre da situação de violência. Na Carta 2, a discussão é sobre o corpo feminino no espaço público e apenas as atrizes do Estopô Balaio atuam na performance.

A última história homenageia o sanfoneiro Sr. Vital, entrelaçando fatos da vida do metalúrgico aposentado com momentos históricos do País. Acontecimentos como a chegada dele a São Paulo em 1964, no dia em que o golpe militar foi implantado, até o trágico desastre ambiental em Mariana, cidade onde Vital nasceu. No áudio, a plateia do vagão escuta a narração das cartas em que o músico conta para a mãe já morta a sua vontade – realizada – de ser artista.

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