Notibras

Coletti, de coração de mãe, está na redação do Paizão

– Como está indo seu projeto?

– Se arrastando, Cláudio. As pedras que vão surgindo a gente pula ou contorna.

– Acabo de achar a solução. Passa aqui (em casa) que tenho uma saída.

Esse diálogo acima é parte extraída de um telefonema do Cláudio Coletti, meu diretor na Sucursal Brasília da Folha de S.Paulo por mais de duas décadas. Aconteceu no início de 2003. Decidido a aposentar-se, ele começou a rasgar e jogar fora papeis acumulados desde que chegara a Brasília, antes da inauguração da capital.

Em 1999, temendo ter incrustrada na testa a placa ‘Patrimônio FSP’, decidi pedir demissão e aventurar-me no incipiente mundo virtual. Criei, então, Notibras. Entre muitos colunistas, além do próprio Cláudio, profissionais de peso, como Carlos Marchi, José Escarlate, Mônica Valdwogel, Leonardo Motta Neto e Adriano Lopes de Oliveira, todos ‘terceirizados’ via a Agência Alô.

Na casa dele, fui recebido com uma dose de uísque (Cláudio adorava um ‘Balla 12’). Sentamo-nos na varanda e começamos a jogar conversa fora. Relembramos os melhores momentos de nossas vidas – e um, em particular, ruim, motivo do telefonema, mas que proporcionou brotar a semente que até hoje ajuda a manter Notibras no ar.

Coletti abriu uma pasta, dela retirando um oficio do Ministério da Aeronáutica, determinando a demissão do repórter José Seabra Neto ‘por insubordinação’. Isso aconteceu na transição dos comandos de Médici para Geisel no Palácio do Planalto. Vivíamos, então, o período mais cruel da dita-dura.

Ai da Folha se a ordem não fosse cumprida. Mas Cláudio, um homem correto, dono de um coração tipo mãe que sempre cabe mais um, deu um jeito. Sebastião, então gerente administrativo da sucursal, assinou a ‘baixa’ na minha carteira. Tempos depois fui contratado por outro veículo da Folha, embora com o salário bastante reduzido. E impedido de assinar meus textos, devendo ficar ‘na moita’ para não provocar os então generais de plantão.

Todos os anos fiz-me presente nas festas que Cláudio promovia no Cota Mil, onde ele era comodoro. Na última, estava reunida a nata do jornalismo, como Leite Filho, Tarcísio Holanda, Ari Cunha (já em cadeira de rodas), Aylê Sallasiê, Rubem Azevedo Lima, Rui Lopes, Flávio de Almeida Salles e a então governadora em exercício Maria Abadia.

Nesta quarta, 10, a uma semana de carimbar o número 72 no meu registro de nascimento, recebo a notícia de que Cláudio Coletti, 93 anos, o ‘pai’ da Folha em Brasília, deixou Alcobaças, na Bahia, para escrever as notícias sobre o que acontece lá em cima, no Universo comandado pelo ‘Paizão’.

De minha parte, continuo por aqui, tocando Notibras cada vez mais vivo. Graças a Cláudio Coletti, que no momento mais difícil de minha vida achou o ofício de Araripe Macedo, que virou processo na Comissão de Anistia, devidamente reconhecido por Lula e Márcio Thomaz Bastos como vítima do regime militar, atribuindo-me, consequentemente, a condição de anistiado político, com uma pensão vitalícia.

Para encerrar, faço uma silenciosa oração por Cláudio Coletti. E para fechar, um velho bordão: É Deus no Céu e Cláudio na Terra. Quanto a Araripe, deve estar queimando no fogo provocado pela queda de um dos Mirage que ele comprou da França.

Sair da versão mobile