Sob uma trilha sonora viva e mórfica, que emana a sombria atmosfera de uma das histórias mais dolorosas e delicadas do nosso país, a série “Colônia” se constrói como um relato necessário de uma dor abafada e calada. E enquanto traduzia o enorme sofrimento causado pelo hospício Hospital Colônia de Barbacena – onde mais de 60 mil pessoas morreram – em orquestrações que dessem voz ao silêncio, Patrick de Jongh enfrentava sua própria e silenciosa luta.
Surpreendido por um grave acidente de carro, seguido pela descoberta de um câncer de tireoide, durante o seu trabalho como produtor associado e compositor da trilha sonora original da série, o artista viu sua vida se transformar de forma súbita e repentina, quase comprometendo o seu trabalho na produção. Fisicamente debilitado pelas sequelas da batida e com a doença já em estado avançado, com metástase nos gânglios e a possibilidade de metástase no pulmão, ele optou por seguir adiante com o projeto – que é uma paixão pessoal. Lutando contra as fortes dores corporais e os pesados efeitos colaterais dos remédios, de Jongh não se deixou ser vencido pela falta de mobilidade física, que lhe impedia de tocar os instrumentos musicais necessários para a trilha.
“Sempre fui muito ágil e dinâmico como compositor e percebi que a minha produtividade já não era mais a mesma, mas pensei que pudessem ser alguns reflexos emocionais da pandemia. Após um terrível acidente de carro no trajeto entre São Paulo e Brasília, minha vida nunca mais foi a mesma. Naquela ocasião, capotei por 120 metros várias vezes e tive perda total do veículo, além de vários equipamentos profissionais. Meu corpo também sofreu e quebrei os dois ombros, o joelho direito e o tornozelo esquerdo. Tive compressão das vértebras cervicais, torácicas e lombares, além de vários cortes e machucados pelo corpo, que me impediam de tocar os instrumentos musicais. Naquele momento, ainda me faltava compor a trilha sonora de seis dos 10 episódios da série e a qualidade de vida que eu teria a longo prazo ainda permanecia como um grande mistério”.
Comprometido com a produção, sob a confirmação da data de lançamento da série (que estreou dia 25, no Canal Brasil e nos serviços de streaming Canais Globo e Globoplay), de Jongh adotou novas formas de trabalhar, conduzindo todo o processo de criação da trilha – independente de toda e qualquer limitação oriunda do acidente. Em virtude das limitações de uso de mão de obra externa, devido à quarentena imposta ao redor do país, o compositor e produtor ainda rompeu seus próprios limites, em meio a um inesperado diagnóstico de um câncer.
“Devido à pandemia, estava difícil trazer músicos para gravar e decidi conduzir todo o restante do material necessário sozinho. E por conta das dores, comecei a tomar um forte remédio, na expectativa de que tivesse alguma melhora. Ainda assim, as sessões de gravações para os episódios remanescentes foram extremamente dolorosas, o que comprometeu a qualidade de alguns takes, que tive que gravar novamente. Ao longo desse período, um dos exames do acidente indicou a presença de nódulos no meu pulmão e ao realizar novos testes, o diagnóstico de câncer de tireoide se confirmou. Cirurgia e tratamento eram necessários, mas a série já tinha data de estreia e não poderia esperar o procedimento. E para mim, era importante finalizar esse trabalho. Estamos diante de uma das histórias mais sofridas e escondidas do nosso Brasil, em um tempo repleto de incertezas. Fiz questão de me esforçar ainda mais e descobri em mim uma determinação muito maior do que jamais pensei ter. E como me alegro por poder entregar essa série nos braços da audiência, com a certeza de que – assim como eu -, o diretor André Ristum e toda a nossa equipe deram o seu sangue e suor por esse belo e impactante projeto”, refletiu de Jongh.
Trilha visceral
Um dos aspectos mais cruciais de “Colônia” é certamente sua trilha sonora original, que aqui assume um protagonismo significativo perante a audiência. Segundo Patrick de Jongh, a preparação deste trabalho teve o seu início bem antes mesmo das gravações dos episódios, em virtude do teor narrativo presente em cada canção. “O trabalho de composição foi bem extenso, pois tive que preparar algumas músicas que seriam cantadas pelos próprios personagens em cena”, comentou.
Além disso, para criar uma atmosfera visceral e sinestésica, de Jongh e André Ristum optaram por seguir um caminho ousado, semelhante ao que vemos na popular série original da Netflix, ‘Messiah’. “Decidimos seguir um conceito de trilha que nunca cessa. Isso significa que a audiência terá uma experiência ainda mais imersiva, com músicas que caminham ao longo de todo o episódio e contribuem diretamente para a tensão das cenas. A trilha sempre se molda ao leque de emoções que a trama nos traz e absorve o público para dentro das dores dos protagonistas”, salientou.
Para garantir a eficiência da trilha sonora, ela foi construída com duas camadas principais: Uma com uma sobreposição de drones (ruídos modelados para soar de forma musical) e outra orquestral. Em se tratando da primeira, ela soa como uma cama pacífica em alguns momentos ou um uivo assustador em outros e foi desenhada a partir de gravações da voz da cantora lírica Nadja Lopes, parceira de Patrick em outros projetos anteriores, como “A Última Estação”, de Marcio Curi, e “Por que Você Não Chora”, de Cibele Amaral.
“As vozes de Nadja foram gravadas e processadas com vários tipos de efeitos diferentes. No fim, o resultado é denso e contorna bem as nuances da emoção dos episódios. Essas camadas estendem do primeiro ao último minuto do episódio. Já a segunda camada importante é a orquestral, com cordas, madeiras, metais, percussão e piano. Há um grande protagonismo dos violoncelos na trilha, que emergem com força para pontuar os momentos mais contundentes da série, sejam sequências de ação ou suspense, ou até mesmo momentos de profunda solidão dos personagens”, concluiu.
Sobre “Colônia”
Com episódios em preto e branco, “Colônia” acompanha a história de Elisa, uma jovem de 20 anos que chega ao Hospício Colônia, no começo dos anos 70. Grávida de quatro meses, ela é enviada ao local pelo seu próprio, que fica enfurecido ao descobrir que sua filha destruiu seus planos de casá-la com um fazendeiro rico. Lá, ela descobrirá um escondido universo de práticas abusivas e dolorosas, em pessoas que não apresentam qualquer tipo de diagnóstico de doença mental.
Com 10 episódios, todos feitos em preto e branco, a produção é livremente inspirada no livro “Holocausto Brasileiro”, de Daniela Arbex, e na história de tantos brasileiros, cujas vidas foram ceifadas no hospital. Fernanda Marques, Andréia Horta, Augusto Madeira, Naruna Costa, Bukassa Kabengele, Arlindo Lopes e Rejane Faria estrelam a produção.
Patrick de Jongh
De origem holandesa, Patrick de Jongh é um artista multifacetado, que toca mais de 15 instrumentos distintos. Compositor desde os 11 anos de idade, ele é formado em Violino Erudito, pelo Conservatório de Bruxelas, e em Produção Musical – pelo Conservatório de Roterdã.
De Jongh é também especialista em Engenharia de Áudio e Acústica, pelo SAE de Londres e de Los Angeles, e em Art and Craft of Orchestration for Film and Television (California State University – MIS).
Ao longo de sua trajetória profissional, o artista já compôs trilhas sonoras para mais de 50 projetos, entre longas metragens e séries de TV. Ele também atuou como designer de som da 3ª temporada da aclamada série norte-americana do canal USA, “Queen of South” (2018), bem como de “Felizes para Sempre” (2015), dirigida por Fernando Meirelles (“Cidade de Deus”).
Sua carreira como compositor e produtor musical nas telonas é marcada por seus trabalhos em longas de prestígio, como “O Traidor”, que fez parte da seleção oficial do Festival de Cannes 2019. Como compositor da Trilha Sonora Adicional do longa, de Jongh trabalhou ao lado do ganhador do Oscar pela emblemática trilha do clássico “A Vida é Bela”, Nicola Piovani. Indo mais além, o artista também assina a trilha de abertura de “Resident Evil”, ao lado de Marco Beltrami e Marilyn Manson.
Já como produtor cinematográfico e televisivo, o artista também tem se destacado em projetos internacionais e assumiu a co-produção de “Shake Your Cares Away”, filme de origem alemã, israelense, francesa e brasileira, estrelado por Bérénice Bejo (indicada ao Oscar pelo aclamado “O Artista”).
No Brasil, de Jongh é também produtor do recente e premiado drama “Por que Você Não Chora?”, cuja estreia aconteceu no Festival de Gramado 2020. Adquirido pela International Sales, Silver Mountain, o longa ainda foi vendido para um canal europeu.
Seu trabalho mais recente foi na série “Colônia”, criada, dirigida e roteirizada por André Ristum. Além de assinar a trilha sonora da produção, estrelada por Andréia Horta, de Jongh assume a função de produtor associado do projeto.