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Com futuro incerto, drama das vítimas de barragem é não saber onde vai morar

Quando o vento estremece a janela ou faz uma porta bater, a criança acorda – em um quarto que não é seu – e pergunta, entre o sono e o pavor: “Tá vindo mais lama?”.

Cíntia Gonçalves tem 7 anos e ainda não sabe direito o que aconteceu na tarde daquele 5 de novembro. Brincava na rua – um hábito infantil à moda antiga, típico dos pequenos vilarejos – e foi pinçada para o colo da mãe, que correu para a parte mais alta de Bento Rodrigues, distrito de Mariana mais afetado pela tragédia.

De lá, elas, assim como grande parte dos 600 habitantes do local, presenciaram a mais inesquecível das cenas: um mar de rejeitos engoliu suas casas e enterrou suas memórias.

Sem possibilidade de voltar ao Bento, devastado e arriscado (há possibilidade de rompimento de outras duas barragens), a maioria dos moradores está provisoriamente acomodada em hotéis e pousadas de Mariana. A solidariedade garantiu que eles ganhassem quilos de roupas. A Samarco – responsável pela barragem de Fundão, que se rompeu, em um evento cujas causas não sabe explicar – cumpriu a obrigação de lhes assegurar um lugar para dormir.

No hotel Providência têm café da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar. “Mas o que eu quero mesmo é voltar a fazer a minha comidinha”, diz Rosa Maurília Gomes, de 77 anos. “Aqui a gente está numa prisão.”

A impessoalidade da vida que levam hoje, mais de duas semanas depois do desastre, tem incomodado dona Rosa e centenas de outras vítimas. No Bento, as moradas eram simples, mas tinham cômodos confortáveis, às vezes até uma varanda, uma horta, um jardim florido. Mas, mais importante que isso, guardavam histórias: o troféu do campeonato de futsal de 2006, a caixinha de fotografias do tempo do quartel, os livros herdados do avô. Tudo ficou para trás. Hoje, suas casas se resumem ao número de um quarto.

Teto – Apenas seis famílias, até agora, foram realocadas para casas alugadas, providenciadas pela Samarco. Questiona-se, entre a comunidade, critérios claros de prioridade para essas remoções. Para quem morava no Bento, Mariana, com seus 58 mil habitantes, é cidade grande. Mas, na verdade, não há imóveis p

ara todo mundo, afirmou o promotor Guilherme de Sá Meneghin, da área dos direitos humanos. Muito menos para quem, com todo o direito, quer seguir na companhia dos mesmos vizinhos.

Com isso, apesar da urgência em sair dos hotéis, uma casa, assim, em qualquer lugar, não serve. “A graça do Bento era que todo mundo ficava junto. A gente não quer ficar espalhado”, diz a aposentada Maria Irene de Deus, de 76 anos.

Luísa Martins, enviada especial

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