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Morador de rua em São Paulo

‘Com o frio, a gente se encosta, dá um jeito, e dorme’

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Autor/Imagem:
Marco Antônio Carvalho

Era pequena a chama que subia da fogueirinha que, às 23 horas de segunda-feira, 21, queimava abastecida por pedaços de madeira e papelão em frente à Catedral da Sé. Mas conseguiu aquecer quatro meninos, de não mais de 14 anos, em mais uma noite fria na cidade de São Paulo. Ali, segundo o pouco que falaram, cada um estava por si. E quando acabasse o fogo? “Cada um se encolhe no seu canto e aguenta.”

A frente fria que chegou no fim de semana a São Paulo, vinda do Sul, tem agravado as dificuldades a que estão submetidos os milhares que formam a massa uniforme coberta do pé à cabeça, vista à noite pelo centro. Há tentativas de manter uma rede informal de ajuda, mas brigas, ações voluntárias limitadas e a percepção de falta de apoio do poder público – o atendimento a um morador de rua após chamado por telefone pode levar até três horas – fazem com que apenas a solidariedade não seja suficiente

Na Praça da Sé, até segundo quem está em outras praças e largos do centro, ficam os “noias” e, por isso, a convivência lá é mais difícil. Só que no início da madrugada de ontem, Roberto Oliveira, de 59 anos, estava em pé e sóbrio na frente da barraca onde tentavam dormir a mulher e os filhos. Falou com clareza sobre a sua situação de rua, que começou em 2016, sete anos depois de chegar de Minas. “Claro que o frio é uma dificuldade, mas o problema é que estamos na rua. Eu queria estar em uma casa Não sou o culpado por estar aqui, estou passando necessidade e procurando todo dia por emprego. O frio é mais uma dificuldade contra o meu objetivo de sobreviver a esta noite”, disse ele que, após trabalhar com serviços de limpeza e como garçom, hoje faz bicos descarregando caminhões.

Perto dali, no Pátio do Colégio, a sobrevivência estava atrelada à estratégia. É como pensa o catador de material reciclável André Ulisses Casagrande, de 44 anos. Primeiramente, ele posicionou as sacolas com papelão que recolheu durante o dia na parede da Secretaria da Justiça, para evitar ser atacado por qualquer corrente de vento. Depois, pegou um dos papelões e pôs sobre o chão, para só então se cobrir com dois cobertores, um deles guardado de outro dia e o outro que ganhou naquela noite, por doação.

Seriam três os cobertores que garantiriam a ele um sono relativamente mais tranquilo, mas enquanto saiu para tentar a sorte na fila do sopão, com uma confusão porque alguém quis furá-la, um outro alguém levou o seu conforto extra. “Não vai dar para dormir o tempo todo, mas a gente se ajeita da forma que consegue.”

Assim como Casagrande, o vendedor José Antônio, de 50 anos, disse preferir a rua a ser acolhido em um dos abrigos municipais Os motivos vão desde brigas no interior das unidades, passando por supostas regras rígidas, como acordar às 5 horas da manhã, a problemas de infraestrutura. “Fui encaminhado hoje para um Atende (Atendimento Diário Emergencial), na Luz. Mas lá é um lixo, os banheiros são muito sujos, preferi sair. Aqui é mais tranquilo”, disse.

Roberto Oliveira, da Praça da Sé, defende a inclusão no serviço de assistência social de apoio à busca de emprego. “Hoje, o serviço se resume a comer, dormir e brigar. Quem quer isso?” Do seu lado, Efigênio da Hora, de 42 anos, queria. Só com um cobertor fino, foi a baixa temperatura que o convenceu mais rapidamente. Mas faltava quem o levasse. Ao Estado, o atendente do 156, acionado para atender Efigênio, disse que em razão da alta demanda o veículo poderia demorar até três horas para chegar ao local.

Qualquer cidadão pode telefonar para o número 156, da Prefeitura, e pedir atendimento a um morador de rua, para que seja transportado a um albergue público. O serviço funciona 24 horas por dia.

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