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Pantanal

Com seca e queimadas, cresce pressão por lei que proteja o bioma

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Autor/Imagem:
Giovana Girardi/Via Agência Pública de Jornalismo Investigativo - Foto de Arquivo

O Pantanal está mudando. A maior planície alagada do mundo sofre, de novo, com uma forte seca, e as queimadas se espalham por todo o bioma, do Mato Grosso do Sul ao Mato Grosso. Neste ano, até agora, foram registrados mais de 1 mil 600 focos, ante os 167 registrados ao longo de todo o primeiro semestre do ano passado – um aumento de 877%.

É um quadro que vem se agravando desde o fim do ano passado, como resultado de uma conjunção de fatores como El Niño, aquecimento global e desmatamento. O período que era para ser úmido teve chuvas abaixo da média. Novembro de 2023 já havia batido o recorde de fogo para o mês e, desde então, todos os meses tiveram mais queimadas do que seus respectivos no ano anterior.

Considerando o primeiro semestre, ele já é o segundo pior do registro histórico do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), iniciado em 1998. Só perde para 2020, ano que bateu recorde de fogo e ficou marcado pelas tristes histórias de onças resgatadas com as patas queimadas e as imagens de animais carbonizados.

A seca já é histórica em alguns pontos. O nível do rio Paraguai em Ladário já está cerca de 2 metros abaixo da média histórica para a época, de acordo com o Serviço Geológico do Brasil. A Agência Nacional de Águas (ANA) alertou no mês passado que a bacia do Paraguai está em “situação crítica de escassez”.

Uma nota elaborada pelo WWF-Brasil lembrou que a temporada seca está só no início e que, historicamente, os incêndios no Pantanal se concentram entre agosto e outubro, com um pico em setembro, de modo que o quadro ainda pode piorar.

“Já há muito tempo ambientalistas cobram que somente uma legislação nacional mais restritiva específica para o Pantanal poderá conter a sangria e evitar a descaracterização do bioma.

Hoje a planície alagada conta com regras estabelecidas pelo Código Florestal e com legislações estaduais, mas a demanda é que haja uma regulamentação nos moldes da Lei da Mata Atlântica.

Talvez as repetidas tragédias tenham criado a pressão necessária para que, finalmente, a ideia se concretize. Ou não.

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando uma ação proposta pela Procuradoria Geral da República, concluiu que o Congresso Nacional tem sido omisso em relação à proteção do Pantanal e fixou um prazo de 18 meses para que o legislativo defina normas específicas para o bioma.

No entendimento do (pasmem) ministro André Mendonça, relator do caso, o Congresso não concretizou, em lei, uma proteção especial ao bioma, como previsto na Constituição. A Carta estabelece que a Amazônia, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal e a Zona Costeira são patrimônio nacional.

“A expressão [patrimônio nacional] traz uma excepcional e diferenciada posição a esses biomas, a merecer tratamento legislativo específico. De um lado, demanda que se tenha tratamento que se preserve a soberania nacional. De outro, que se dê especial proteção a um patrimônio que não é só brasileiro, mas da humanidade e de futuras gerações”, disse Mendonça, conforme registrado em reportagem da Folha. Ele foi seguido por oito ministros. Apenas dois votaram contra.

Foi a brecha que a deputada federal Camila Jara (PT-MS) estava precisando. Já há alguns meses ela vinha trabalhando em uma proposta para, justamente, aumentar a proteção do Pantanal. A decisão do STF criou o momento perfeito para protocolar o projeto de lei, o que ocorreu nesta quarta-feira.

Um dos principais pontos do texto é a obrigatoriedade de elaboração de um plano de manejo integrado do fogo por estados e municípios, como me explicou a deputada Camila Jara. “O Pantanal está pegando fogo, pode ficar bem pior que em 2020. Mesmo com o lançamento do Prevfogo [do Ibama], a situação está grave. A ideia com a obrigatoriedade do plano é aportar recursos para que se consiga um trabalho integrado entre os entes”, me disse.

O PL prevê também um esforço de aumento da conservação, com a criação de um programa de incentivos financeiros. A ideia é ampliar em 60 metros as Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e para 50% das propriedades as áreas de Reserva Legal. Pelo Código Florestal, os proprietários no Pantanal só precisam manter 20% da terra protegidas.

“A gente prevê incentivos para a ampliação e não uma punição para quem não cumprir”, complementou. A expectativa da deputada é usar recursos dos fundos estaduais previstos nas legislações de MT e MS. O PL contempla, também, a existência de um selo de sustentabilidade. “Queremos premiar quem fizer sua parte.”

Hoje os dois estados já têm legislações de proteção ao Pantanal, mas elas trazem níveis diferentes de proteção e de conceitos de uso econômico. “Nosso projeto teve o compromisso de pegar o melhor das duas leis e conciliar as demandas socioeconômicas com a proteção do ecossistema”, disse Jara. Segundo ela, há apoio do governo ao projeto e o presidente da Câmara, Arthur Lira, teria se comprometido em colocá-lo em votação.

“A decisão do STF é uma oportunidade para isso, mas também cria um risco. “A gente entende que é urgente [votar] porque a gente já teve outras legislações apresentadas que não andaram por conta dos interesses, principalmente da frente do agronegócio, mas também é um sinal de alerta”, afirma a deputada.

“Corre o risco de ser aprovado outro projeto mais brando do que as legislações estaduais, que não especifica nem ajuda a gente a prevenir o fogo, por exemplo, que é uma das grandes questões que a gente está apresentando. Então a gente tem que usar esse prazo [de 18 meses] em favor de uma legislação que respeite a geração socioeconômica, mas também ajude na conservação ambiental”, pontua.

Com o peso da bancada ruralista, o medo dela faz sentido.

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