A Comissão Nacional da Verdade (CNV) divulgou nesta sexta 29 laudo confirmando que os restos mortais desenterrados do Cemitério Campo da Esperança, na capital federal, são mesmo do líder camponês maranhense Epaminondas Gomes de Oliveira.
“É um momento de muita emoção, porque a CNV conseguiu localizar o corpo de uma pessoa que estava desaparecida e fez hoje a entrega dos restos mortais à família para que ela possa velar o corpo e sepultar dignamente”, disse o coordenador da comissão, Pedro Dallari, durante sessão pública da comissão sobre o caso.
Membro do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), organização derivada da Ação Popular (AP), Epaminondas foi preso em um garimpo paraense, em 7 de agosto de 1971, durante a Operação Mesopotâmia, que visava a prisão de lideranças políticas da oposição, na região do Bico do Papagaio – divisa tríplice entre Pará, Tocantins (então Goiás) e o Maranhão -, e declarado morto enquanto estava sob custódia do Exército, em 20 de agosto de 1971, aos 68 anos. Este é o primeiro caso de desaparecido político identificado pela própria CNV.
No Maranhão, Epaminondas atuou ao lado do padre Alípio Cristiano de Freitas, fundador da União dos Trabalhadores Agrícolas, integrante da AP e fundador do PRT. Por sua atuação, o padre Alípio foi processado duas vezes por “subversão”, com base na Lei de Segurança Nacional. Foi preso em 1970 e solto em 1979.
Ao falar em nome da família, o neto do líder camponês, Epaminondas de Oliveira Neto, lembrou que já na década de 1930 o avô defendia a alfabetização de adultos e deu aulas de reforço escolar para as pessoas. Segundo ele, o avô lutava por igualdade e liberdade.
“Eu tinha 9 anos de idade quando o meu avô foi levado em um caminhão, logo em seguida a gente teve a notícia de que ele foi preso. Eu vi meu pai chorando, minha mãe chorando, e eu não entendia aquela agonia. Pouco depois veio a notícia que meu avô morreu, e logo veio a ordem para a gente ficar calado”, revelou.
Segundo ele, a ação das Forças Armadas na região da operação tinha claramente o objetivo de eliminar os opositores do regime militar. “Eles não foram lá prender, eles foram para matar, para implantar o medo, o terror. Chamavam o meu avô de terrorista, mas, na verdade, terroristas foram aqueles homens que por lá passaram, que maltrataram mulheres, torturaram, mataram e não tiveram a hombridade sequer de devolver os restos mortais”, disse.
De acordo com o laudo, a identificação dos restos mortais de Epaminondas foi determinada com base em exames antropológicos, documentais e de testemunhas que conviveram com o líder camponês. Apesar de não ter sido possível chegar a um resultado conclusivo com os testes de DNA, o laudo assinado pelos médicos legistas Aluísio Trindade Filho e Malthus Fonseca Galvão e pela odontolegista Heloísa Maria da Costa diz que os exames apontam “que o esqueleto humano exumado em 24 de setembro de 2013, da Sepultura 135, Quadra 504, Setor A, do Cemitério Campo da Esperança, representa os restos mortais de Epaminondas Gomes de Oliveira”.
Na versão oficial, o Exército atestou que Epaminondas morreu em decorrência de coma anêmico, choque, desnutrição e anemia. “Quando foi presa, a pessoa estava gozando de boa saúde, e logo após seu quadro piora e ele vem a óbito em circunstâncias estranhas”, observou o legista Aluísio Trindade, coordenador da equipe que elaborou o laudo. Ainda segundo ele, a análise não permitiu aos peritos desmentir ou acrescentar elementos à causa mortis atestada pelo médico do Exército.
Segundo depoimentos colhidos pela CNV, após ter sido torturado numa área do DNER [Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, extinto], localizada na estrada entre Porto Franco, cidade em que vivia, e Imperatriz, ambas no Maranhão, Epaminondas foi levado para Brasília, onde permaneceu preso, foi novamente torturado no Pelotão de Investigações Criminais (PIC), e morreu, no dia 20 de agosto de 1971, no antigo Hospital de Guarnição de Brasília, atual Hospital Militar de Área de Brasília.
Amanhã à noite (30) o caixão com os restos mortais do militante desaparecido, recém-identificado, será transladado para Porto Franco, cidade onde a vítima viveu a maior parte de sua vida.
“Foi uma caminhada”, disse Epaminondas Neto. “Eu posso dizer, em nome de todos nós, que o nosso sonho era vir a Brasília pegar os restos mortais [do meu avô]. Isso durou 43 anos, e só agora vai ser possível. Foi uma história de dor, de muito sofrimento, de muita incerteza. Meu pai morreu e não pôde ver o seu pai ser enterrado”, lamentou.
Luciano Nascimento, ABr